Gosto bastante de Marte Um, como já falei por aqui antes. É um filme honesto, com uma boa ideia e ótimas atuações, sobre um Brasil em ebulição. Mas, confesso, não queria que tivesse sido escolhido para representar o Brasil no Oscar 2022. É um filme que fala sobre o Brasil para brasileiros, sem abrir o horizonte, e que fica prejudicado por alguns maneirismos. Pena. Para mim, o representante deveria ser um só: A Viagem de Pedro, estreia da última quinta-feira, 1.
Dirigido por Laís Bodanzky (As Melhores Coisas do Mundo), o longa-metragem fala sobre a partida de Pedro do Brasil e de volta para o reino de Portugal. O momento é tenso. Por aqui, na Terra de Santa Cruz, o Brasil é independente depois de D. Pedro I dar o grito no Ipiranga. Lá na “terrinha”, enquanto isso, o irmão de Pedro tomou o trono de assalto. Agora, o ex-Imperador precisa voltar para seu “berço” para tirar a coroa de Miguel, colocar a filha no comando do país europeu e, ao mesmo tempo, manejar a presença do filho pequeno, D. Pedro II, que ficou no Brasil para assumir a coroa. Um caos, que é contado de maneira poética por Laís Bodanzky.
É isso que A Viagem de Pedro é: poesia. Bodanzky coloca a história de D. Pedro I sob uma perspectiva contemporânea, sem deixar que olhares da época se perpetuem. O longa-metragem, assim, questiona símbolos, ideias e memórias perpetuadas. Mais do que ser um filme sobre D. Pedro I, o longa-metragem questiona nossa História. É um filme para questionar as estátuas, as histórias e quem as narra, sempre trazendo um olhar que faça sentido para os espectadores.
Bodanzky, além disso, não faz poesia a partir do vazio. Pelo contrário: para alcançar esses objetivos, a cineasta conta com auxílios luxuosos. Primeiramente, um design de produção de dar inveja, permitindo que o mergulho seja direto e reto. É difícil não entender aquele contexto com cenários, figurinos e uma direção de fotografia tão apuradas, que abraçam época e símbolos.
Além disso, as atuações são outro espetáculo de A Viagem de Pedro. O longa-metragem conta com um Cauã Reymond (Piedade) inspirado como D. Pedro I, amplificando essa voz que a cineasta quer dar à História -- a sequência dele gritando como vai ganhar a guerra de pau mole já nasceu clássica. Welket Bungué, Luise Heyer, Francis Magee e Isabél Zuaa completam esse elenco forte e conciso, que não deixa pontas soltas em um trabalho profundo de pesquisa.
Afinal, mais do que um bom filme, A Viagem de Pedro também se torna um documento histórico -- reinterpretado e com fortes tintas ficcionais, é claro -- que ajuda a recontar a origem do País como uma nação. Chega de pensar no Brasil como um país unilateral. A Viagem de Pedro consegue, em 96 minutos, honrar as tais independências que rondam nossa História. Pena que o final seja capenga, com algumas escolhas óbvias. Se não fosse isso, seria um filme impecável.
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