Se você não sabe, vou te contar uma coisa: A Mulher na Janela, novo filme de suspense da Netflix, não tinha como dar certo. Primeiramente, o livro é uma jornada psicológica pela mente da protagonista Anna, uma mulher que sofre com agorafobia e não consegue sair de casa. Como levar isso para as telonas sem prejudicar o desenvolvimento da história e alterá-la muito?
Além disso, os bastidores do longa-metragem são o puro suco de caos. Começou com um projeto da Fox que, depois, foi vendida para a Disney. A casa do Mickey Mouse viu que as coisas não iam bem com o filme, que teve recepção ruim em sessões de testes. Adiaram, regravaram cenas... Mas as coisas não andaram. Decidiram, como última medida, vender para a Netflix.
Mas, no meio do caminho, mais problemas. A.J. Finn, autor do livro que inspirou o filme, foi acusado de ser um mentiroso compulsivo -- mentiu currículo, doenças e por aí vai. Já o produtor Scott Rudin foi acusado de ser um "monstro" nos bastidores, com episódios de abuso moral e violência. E agora tudo isso pode ser visto com clareza no resultado de A Mulher na Janela.
O longa-metragem, que chegou ao catálogo brasileiro na última sexta-feira, 14, é uma bagunça. Dirigido por Joe Wright (O Destino de uma Nação, Orgulho e Preconceito), o filme começa em marcha lenta. Muitas coisas não fazem sentido, como a amizade inesperada entre Anna (Amy Adams) com o filho dos vizinhos, assim como essa obsessão em reproduzir Janela Indiscreta.
Parece, logo de cara, que falta um pedaço do roteiro escrito por Tracy Letts -- talvez seja justamente a tal dificuldade de adaptação, já que o começo do livro é unicamente a protagonista e seus pensamentos. Depois, na metade do filme, parece que as coisas engrenam. O fato é que Wright aumento o ritmo da história justamente para esconder os problemas da produção.
Os embates são mais rápidos, os enfrentamentos são bem mais vigorosos, assim como o suspense que nasce da paranoia de Anna. Há uma cena de briga entre a personagem de Amy Adams (A Dúvida, A Chegada) com o vizinho interpretado por Gary Oldman (O Destino de uma Nação) que amplifica a força daquela história momentaneamente. Parece que vai melhorar.
No entanto, chega o terceiro ato do filme. E é aí que as coisas desandam de vez. Justamente a parte que o público das sessões de testes disse não entender, as sequências finais são mal editadas, dirigidas, atuadas. Os cortes são bruscos, dificultando o entendimento. E Wright, claramente, não sabe dirigir brigas e discussões. Era melhor ter ficado nos filmes de época.
Além disso, o ator Fred Hechinger (que está bem em Let Them All Talk) simplesmente não se encontra em cena. Esta a um pulo de cair no pastelão, no tosco. Não decola e faz com que o filme, mesmo com boa atuação de Adams e Oldman, fique nesse marasmo de acontecimentos. A Mulher na Janela, assim, não se destaca em nada. Só tem um meio empolgante. E é só.
Talvez, arrisco dizer nessa conclusão, faltou uma maior liberdade criativa na hora de produzir o filme -- não só do estúdio, como também dos próprios realizadores. Ficaram presos demais com o que já tinha sido visto nos similares Garota Exemplar e A Garota no Trem, sem conseguir desenvolver a própria personalidade. A Mulher na Janela poderia ser o ponto de virada. Não foi.
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