Boas comédias são aquelas construídas em cima de tramas, histórias, narrativas, bons personagens. Não que longas como Débi & Loide ou alguma bobagem antiga de Seth Rogen e James Franco, humores mais calcados na fisicalidade e no non-sense, não tenham mérito. Mas o humor mais inteligente, presente nas entrelinhas, é que fica na memória cinematográfica e consegue arrevessar gerações, como os filmes dos Coen e do Monty Python.
Agora, mais uma comédia chega para engrandecer este último grupo: o divertidíssimo A Morte de Stalin, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 7. Dirigido pelo britânico Armando Iannucci (do sensacional In The Loop e da série Veep), o longa mostra a corrida política que se armou nos bastidores da União Soviética após a morte do ditador Joseph Stalin. É uma verdadeira briga pra determinar quem vai ser o grande manda-chuva do governo.
Dentro dessa premissa, Iannucci -- que também é o roteirista junto com David Schneider (Todos os Homens da Rainha) e Ian Martin (Vice) -- cria uma trama repleta de intriga política com um humor quase espontâneo. As coisas vão se amarrando, as alianças vão se formando e a bizarrice completa da situação vai criando uma teia de um humor muito inteligente, sutil e delicado. Enquanto a política conduz a história, a comédia dá o tempero.
O resultado poderia ser catastrófico nas mãos de um diretor que não soubesse trabalhar tanto nas entrelinhas. Iannucci faz isso como poucos -- relembrando, até, um estilo dos Coen de fazer cinema -- e chama a atenção com uma direção firme e que sabe muito bem o que quer. Ainda que trafegue na política e na comédia, não há exageros de nenhum dos lados e nem conflito de tom. As coisas fluem de maneira leve e divertida.
Parte desse bom sentimento vindo de A Morte de Stalin está no elenco, composto quase que unicamente por grandes veteranos. Steve Buscemi (O Grande Lebowski) rouba a cena como um Nikita Khrushchev um pouco atrapalhado, mas com planos definidos. Já Jeffrey Tambor (Transparent) cria um humor involuntário como o influenciável presidente Georgy Malenkov. E Simon Russell Beale (A Lenda de Tarzan) é um bom antagonista na pele de Beria.
O outro acerto vem da coragem de Iannucci em trazer à tona assuntos pesados, que não combinam imediatamente com uma comédia, como pedofilia, estupro e assassinatos. Mas aqui, incrivelmente, os temas funcionam bem em articulação com o riso -- e, ainda, conseguem chocar.
O filme só não pode ser considerado completamente perfeito por conta de alguns excessos dispersos. Andrea Riseborough (Animais Noturnos) não consegue encontrar o tom da filha de Stalin, ficando numa zona artificial. Rupert Friend, que vive o outro filho de Stalin, e Jason Isaacs, que interpreta o general do exército, são subaproveitados e contam com tramas que não avançam. Mas é só. O restante do filme funciona tal qual um relógio suíço -- ou seria russo?
Muitos podem criticar A Morte de Stalin pelo juízo de valor que é feito do ditador -- o qual, incrivelmente, conta com defensores mundo a fora. Ou, ainda, por não conseguir mergulhar na trama. Mas, definitivamente, quem o fizer, terá uma divertida, forte e interessante experiência no cinema. Não duvido que A Morte de Stalin chegue vivo nas premiações no final do ano. Afinal, às vezes, o melhor filme histórico é aquele que ri de nós mesmo. E esse faz isso como poucos.
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