No filme Era Uma Vez em... Hollywood, o personagem interpretado por Brad Pitt fuma um cigarro de maconha banhado em ácido. Logo depois, quando começa a bater a chamada bad trip, o personagem se vê obrigado a enfrentar os assassinos integrantes do culto de Charles Manson. É uma cena hilária, difícil de não rir, e que dá início ao clássico estilo de Tarantino.
No entanto, ela é engraçada por acontecer uma única vez no filme. Não dez, não vinte. E é esse o grande problema do documentário A Maior Viagem, filme original da Netflix e que chegou ao catálogo nesta segunda-feira (11). Dirigido por Donick Cary (roteirista de Os Simpsons), o filme pega depoimentos de várias personalidades sobre suas bad trips com ácidos e outras drogas.
Numa mistura entre testemunhal, comédia e animação, o filme reconstrói esses momentos e tenta passar a verdade por trás dessas viagens que acontecem com o uso de ácido e afins.
O primeiro grande problema é que, na maioria dos depoimentos, se vê uma glamourização desnecessária das drogas. Por mais que o ácido seja uma das substâncias que menos viciem, seria necessário fazer alguns apartes na história e evitar algumas brincadeiras desnecessária. Adolescentes podem ver isso e se aventurar em um mundo infeliz e, muitas vezes, perigoso.
Dito isso, e contando com a sensibilidade e o senso crítico de quem está assistindo, A Maior Viagem traz outras questões. Por exemplo: por mais que vários depoimentos sejam engraçados e curiosos, a grande maioria é dispensável. Não traz nada de novo, não acrescenta nada na experiência. E pior: causa um sentimento de exasperação, de cansaço, de repetição. Fica chato.
Apenas aqueles muito interessados no assunto, no final das contas, vão encontrar aqui um divertimento à altura por traçar paralelos com experiências pessoais. O resto do público, enquanto isso, deve fica a ver navios com histórias que partem do nada para lugar algum.
Dentre os relatos, destacam-se apenas o do chef Anthony Bourdain, morto precocemente em 2018 após suicídio; uma inusitada história de Ben Stiller; um depoimento franco de Carrie Fisher, também morta em 2016; e a descrição absolutamente hilária do rapper ASAP Rocky sobre uma de suas piores viagens com ácido. De resto, apenas mais e mais e mais do mesmo.
É desconfortável, e um tanto quanto irresponsável, como Donick Cary gosta de insistir em algumas histórias mesmo sabendo de seu possível dano. Em determinado momento, por exemplo, ele se vale de uma edição típica da comédia para falar sobre pessoas dirigindo sob efeito do ácido. No final, coloca um rápido aviso sobre como isso é prejudicial. Mas não adianta.
Isso é algo que deveria ser tratado com repreensão, não com humor. O ácido causa distorções do espaço físico. As coisas se alongam, se encurtam. Param, somem. Avançam. É absolutamente absurdo alguém dirigir sob esse efeito. É criminoso. Deveria ser algo tratado com alguma seriedade pela produção. Não com riso, não com histórias engraçadinhas.
Por fim, porém, algumas coisas são interessantes. Primeiro: este é um dos primeiros materiais bem produzidos sobre o efeito de drogas como LSD e afins. Pega pessoas que tiveram experiências com drogas e deixa que elas próprias contem suas histórias. Isso, de alguma forma e sob determinada ótica, acaba fazendo com que A Maior Viagem seja um bom filme educativo.
Além disso, é preciso destacar algumas das animações usadas para reproduzir as bad trips dos entrevistados. Tem criatividade e um bom processo de animação. Dá pra se divertir e entender melhor algumas das histórias relatadas. Mas é isso. É um filme deveras problemático, seja pela parte educacional ou até mesmo narrativa. Mas, no fim das contas, acaba tendo seus méritos.
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