Que filme absolutamente surreal e potente é o documentário A Machine to Live In, selecionado para a 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Dirigido por Yoni Goldstein e Meredith Zielke, o longa-metragem busca mostrar a História de Brasília a partir das mais diferentes e variadas facetas: sua fundação, sua arquitetura, a religião de seus povos, de suas pessoas, etc.
No entanto, nada de seguir a narrativa linear óbvia de documentários biográficos, sejam eles sobre lugares, pessoas ou instituições. Aqui, Goldstein e Zielke optam por um caminho experimental e descentralizado. Não há uma narrativa realmente proeminente aqui, apenas sensações, emoções e histórias que vão surgindo e reaparecendo nas curvas de Brasília.
Assim, a história da capital surge a partir do vazio. Do vazio, nasce a História. E não poderia ser diferente com Brasília. Afinal, é essa narrativa que é exigida numa cidade como a capital federal, tão cheia de espaços, distâncias, curvas. Navegamos por suas diferenças, degraus, estilos. É um abraço minimalista no público, mas sempre preocupado em mostrar a diversidade da cidade.
De maneira também inventiva, a dupla de diretores adota um tom quase de ficção científica para falar da História de Brasília. A trilha sonora ousada, os tons espaciais, algumas sequências oníricas. É um complemento interessante à essa narrativa aparentemente vazia, que vai se completando quase em silêncio. O filme se encontra nas suas diferenças e complexidades.
Acertada também a decisão dos diretores em não trazer entrevistas óbvias ou buscar uma narrativa concentrada apenas em política. Poderia facilmente se transformar em um Democracia em Vertigem um pouco mais onírico, o que mataria a originalidade do longa em um estalar de dedos. Goldstein e Zielke bancam essa opção, acreditando nas possibilidades visuais.
Dessa maneira, A Machine to Live In é uma das maiores surpresas da Mostra de 2020, quiçá um dos melhores filmes. É ousado, criativo, experimental, não cai no lugar-comum. Se arrisca na complexidade da tarefa de fazer um panorama sobre uma cidade e, mesmo assim, nunca perde o fio da meada. Que excelente exemplo de documentário "biográfico". Todos poderia ser assim...
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