Convenhamos: não há nada de muito especial em O Mistério de Candyman, lá de 1992. Formulaico da cabeça até a ponta dos pés, o longa-metragem aposta em uma série de clichês e elementos comuns nos filmes de slasher para contar a história dessa assombração que dá nome ao filme. Candyman, Candyman, Candyman, Candyman... Uma magia dita no espelho, como uma espécie de loira do banheiro, e o homem com o gancho propaga a sua violência.
Por isso, cá entre nós, não botava muito esperança em A Lenda de Candyman, mistura de reboot com sequência que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 26. Atualizada para os dias atuais, a história acompanha Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II), um artista plástico em crise criativa. Sua saída, então, é retratar o processo de gentrificação em seu bairro, com foco no conjunto habitacional Cabrini-Green. Em resumo, expulsão dos pobres para dar lugar aos ricos.
No entanto, neste processo, McCoy acaba encontrando muito mais do que esse movimento urbano que afeta todas as grandes cidades. Nas histórias passadas de boca a boca, ele descobre mais sobre Candyman. É a mesma assombração vista no outro longa-metragem, no de 1992: o gancho na mão, as abelhas que o circundam. No entanto, aqui, a excelente diretora Nia DaCosta (Passando dos Limites) não fica confortável contando essa história de maneira passiva.
Num roteiro escrito por ela, Jordan Peele (Corra!) e Win Rosenfeld, Candyman ganha as camadas que sempre foram deixadas de lado no filme de 1992 e em sua sequência. Ele deixa de ser apenas aquela figura sombria e assustadora para ser algo mais. Nós, como espectadores, entendemos melhor sua origem, sua mecânica e até mesmo temos a explicação de detalhes, como o gancho na mão, a relação com os doces e por aí vai. Candyman, enfim, ganha um rosto.
Ainda que o roteiro derrape em alguns didatismos desnecessários, como um diálogo entre McCoy com o dono de uma lavanderia, tirando a dúvida final que poderia sobrar sobre quem é e o que representa Candyman, tudo funciona com uma perfeição aterradora. DaCosta, Peele e Rosenfeld tomam o mito para si e deixam claro que o terror, hoje, não está mais no fantasma dos causos. Está na rua, podendo matar um homem negro que foi fazer compras no mercado.
Candyman não poderia, de maneira alguma, ser o mesmo de 1992. O mundo mudou e, inclusive, o cenário urbano foi amplamente transfigurado. A Lenda de Candyman, assim, honra o longa-metragem origem com homenagens e referências (algumas bem inesperadas, diga-se de passagem), mas também fazendo a trama andar. É assim que se faz remake, reboot e afins. As boas atuações (com destaque para Yahya Abdul-Mateen II) também elevam a potência da trama.
E o final... O final de A Lenda de Candyman é um soco forte, desferido bem na boca do estômago, que não conseguimos ver de onde veio. É uma conclusão polêmica e corajosa, que deve elevar ânimos por aí -- não é à toa que o filme está sendo amplamente boicotado no IMDb, principalmente por homens acima de 45 anos. Não é, afinal, um filme confortável, suave, delicado. É uma porrada, como a arte deve ser. Nos tira do lugar. Nos faz pensar. É um filmaço.
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