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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'A Garota na Névoa' é tenso e inesperado, apesar de saturado


Anna Lou (Ekaterina Buscemi) é uma adolescente estudiosa de um pacato e religioso vilarejo italiano. Sua vida, porém, ganha outro rumo quando é sequestrada sem deixar rastros. A partir daí, entra em ação o agente Vogel (Toni Servillo), um investigador pouco convencional que manipula a mídia e a opinião pública para ajudar na busca e a encontrar um culpado a qualquer custo. Até mesmo se não houver provas concretas -- como é o caso do estranho professor Loris (Alessio Boni), sem álibi na noite do crime.

Essa é a trama geral do suspense italiano A Garota na Névoa, longa-metragem que não tinha como ser mais autoral. Afinal, Donato Carrisi não apenas é o diretor, como também roteirista e autor do romance homônimo que inspirou o filme. É o grande sonho de qualquer escritor: criar e controlar sua obra em diversas mídias. Apesar de ser um feito quase inédito no cinema, há de se ressaltar que manter o controle criativo total nas mãos de Carrisi não foi um erro, apesar de exageros narrativos de iniciantes no cinema.

A história como um todo, afinal, acaba por ser extremamente inchada. Talvez por ser o responsável criativo por trás de tudo, Carrisi parece não querer deixar nenhum detalhe de fora da trama. Há tons de suspense, há alfinetadas no circo midiático, há uma subtrama religiosa, há reviravoltas, há três linhas temporais, há jornalistas que fazem a investigação por fora. É um número sem fim de situações que vão se amontando e, dessa maneira, parece não deixar que o longa-metragem se desenvolva de forma leve.

Isso acaba tirando certo impacto da trama e também criando alguns fios soltos que são rapidamente descobertos com um pouco de atenção ou se parar para pensar após a conclusão -- há duas informações, por exemplo, conflitantes e que não podem coexistir.

Ainda assim, A Garota na Névoa é um grande filme. Como? Culpa da direção de Donato Carrisi, que se revela um talentoso cineasta além de bom escritor; da atuação na medida de grande parte do elenco; e, principalmente, por uma sequência de reviravoltas finais que não deixam pedra sobre pedra. É aquele momento que a audiência suspira com a surpresa que se revela e que dificilmente consegue passar incólume pelo público.

Sobre o primeiro ponto, o talento de Carrisi para dirigir suspense é notório. A ambientação esfumaçada, quase sempre escura, não é à toa. Assim como no recente Terra Selvagem, o clima e o cenário ao redor dos personagens e da trama influenciam de maneira direta na história e ajudam a criar o clima. Além disso, o diretor não se furta em fazer alguns planos ousados, a criar suspense de maneira inteligente e a colocar algumas pistas ao longo da trama para que o espectador consiga compreender alguns detalhes da resolução pra que, depois, possa ver tudo com outros olhos.

Vale ressaltar, também, a interessante escolha do diretor e do diretor musical Vito Lo Re em colocar Dança da Solidão, interpretada por Beth Carvalho, em momentos-chave.

O elenco consegue acompanhar a sinergia de Carrisi com a história. Toni Servillo (A Grande Beleza), o maior ator italiano em atividade, entrega uma atuação cheia de nuances, sendo uma mistura da sagacidade de Hercule Poirot e a malandragem durona de Harry Callahan. Interessante de ver a construção do personagem. Alessio Boni (O Turista), Jean Reno (O Profissional) e Lorenzo Richelmy (Uma Questão Pessoal) estão operantes. Ekaterina Buscemi (Noir) aparece pouco, mas já se mostra uma boa atriz.

O que torna o filme memorável, porém, é o terceiro ponto: as reviravoltas que se encaixam de maneira surpreendente e muito palatável. Ainda que tenha as pontas soltas já citadas, A Garota na Névoa entrega uma conclusão digna de M. Night Shyamalan -- surpreendente, forte e que faz o filme todo ganhar um novo contorno. E há um ponto interessante de também ser pouco maniqueísta, deixando muita coisa em aberto para não criar heróis e mocinhos. A conclusão da subtrama sobre circo midiático, a la A Montanha dos 7 Abutres, também é forte, crítica e muito inspirada.

A Garota na Névoa não é um filme perfeito. É inchado, tem muitas histórias e, por isso, acaba ficando um pouco arrastado e de desenvolvimento rocambolesco. No entanto, a força das atuações, a surpresa das reviravoltas e o controle criativo total do diretor Donato Carrisi fazem com que o longa-metragem seja um suspense de primeira linha -- tenso, angustiante, inesperado. É de dar inveja em muitas produções americanas por aí.

 

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