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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'A Garota da Vez' acerta ao mexer nas estruturas do 'true crime'



A história do serial killer Rodney Alcala é de arrepiar: ele matou mais de 130 mulheres ao longo de sua vida, sempre de maneira bastante violenta. Algumas sobreviventes chegaram a reportar o que estava acontecendo para a polícia, mas não foram ouvidas: trataram o caso com displicência e não entenderam a violência de Alcala. E é justamente o olhar das vítimas que orienta a narrativa de A Garota da Vez, estreia de Anna Kendrick na direção.


Novidade desta quinta-feira, 10, o filme não se interessa em ser uma história sobre um psicopata – esqueça tudo aquilo que viu em Dahmer, Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal e afins. Não é Alcala (Daniel Zovatto) o protagonista, mas um grupo de mulheres que passam por ele: desde uma que pede ajuda na mudança (Kathryn Gallagher), passando por uma adolescente (Autumn Best), a amiga de uma vítima (Nicolette Robinson) e até chegar em Sheryl (Anna Kendrick), uma jovem que participa de um programa de namoro com ele.


Kendrick e o roteirista Ian McDonald (Some Freaks) optam por não condicionar o filme ao olhar do psicopata, mas buscam entender quem eram essas vítimas tratadas como burras e meros objetos, quase sem voz. Nenhuma delas está ali na trama à toa: cada uma mostra uma mulher que foi vítima de diferentes maneiras desse serial killer. Pior: o filme mostra como são silenciadas pela sociedade, do delegado de polícia até o apresentador de TV.



Ao mesmo tempo, A Garota da Vez tenta criar, por meio de uma narrativa um tanto desencontrada, uma conexão entre elas. Nenhuma se conhece de fato: duas apenas estão em um mesmo ambiente, sem trocar qualquer palavra. Kendrick, em uma direção surpreendentemente inspirada para um longa de estreia, mostra esse fio invisível que as conecta. Oras, elas são vítimas do criminoso (e da sociedade), não meros corpos à mercê.


Alcala, enquanto isso, nunca é charmoso como Bundy e Dahmer foram retratados recentemente na televisão – causando uma correta reclamação por parte da audiência, que vê isso como uma espécie de validação dos encontros sexuais entre vítima e psicopata. Alcala é inteligente e sabe conversar, mas nunca esbanja charme: por mais que um sorriso ou outro chame a atenção, o personagem está sempre na tela como verdadeira ameaça.


Isso é importante, inclusive, para o espectador conseguir entender a situação enquanto as vítimas estão no escuro. A Garota da Vez é um longa-metragem de sobrevivência, sem que as personagens tenham consciência disso, jogando no colo do espectador o medo, a tensão e a repulsa. Você teme por elas e nunca fica realmente encantado pelo criminoso. Nem seria preciso dizer isso, mas é o correto, o caminho mais importante nessa história.


A Garota da Vez é um filme que sabe como tratar a história de um criminoso, jogando luz nas vítimas e no sistema – mostrando como há uma culpa compartilhada em casos como esse, mas sempre apontando o dedo corretamente única e exclusivamente para o psicopata. O mundo brinca com as mulheres como se fossem objetos, às vezes bonecas. E Kendrick devolve a resposta: é preciso mudar a perspectiva de tudo para entender.

 

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