Ontem mesmo, há coisa de 18 horas, falamos aqui neste site que o gênero de true crime poderia estar chegando ao fim -- poucas ideias originais, ousadas, criativas. E eis que hoje, poucas horas depois, a própria Netflix nos cala. Chegou ao catálogo nesta quinta-feira, 27 de julho, o documentário mexicano A Dama do Silêncio: La Mataviejitas. E não é que o filme é de fato bom?
Dirigido por María José Cuevas (do também bom Bellas de Noche), o longa-metragem fala sobre um crime que chocou o México na virada do milênio: o assassinato serial de idosas na Cidade do México, capital do país. Quem estaria por trás de dezenas de crimes tão brutais? Quem poderia?
Ao longo de quase duas horas, o documentário examina os caminhos da investigação com entrevistas com várias partes envolvidas -- policiais, testemunhas e até mesmo pessoas acusadas falsamente pelo crime. Com essa pluralidade de vozes, o documentário consegue ter uma edição inteligente, que coloca os testemunhos uns contra os outros, deixando saboroso.
No entanto, confesso que com uma hora de projeção, achava que A Dama do Silêncio seguiria pelo mesmo caminho de Desaparecida: O Caso Lucie Blackman, do qual falamos ontem. Afinal, a narrativa é linear e, apesar dessa edição divertida e inteligente, havia um ritmo quase maquinal imposto ao filme. É aí que, com cerca de 1h15 de projeção, as coisas mudam drasticamente.
A Dama do Silêncio conta com uma conclusão absolutamente improvável. A personagem acusada pelos crimes é fora da caixinha, fora de todos os padrões que sabemos e conhecemos sobre serial killers. A revelação de sua identidade deixa o filme mais interessante e faz com que o filme, mesmo empacotado em uma narrativa convencional, desperte um genuíno interesse.
E é aí que vem a sacada final genial: nos últimos 10 minutos, María José Cuevas abre espaço para questionar o true crime, a existência do documentário e a espetacularização em torno da figura da assassina, a tal Dama do Silêncio. Podia ir além, pois acaba encerrando a discussão em seu auge, mas já é o bastante para voltarmos às perguntas de ontem: será que é o certo?
Será que o true crime tem mais espaço? Será que não estamos seguindo por um caminho absolutamente deplorável e perigoso? Achei, por alguns momentos, que a discussão que coloquei no texto sobre o outro documentário tinha se esvaziado. Mas não: o novo filme da Netflix amplia a questão e questiona a própria existência. Quando acaba, até faz com que nós, espectadores, pensemos a respeito sobre como usamos nosso tempo. É o caminho correto?
Perguntas, perguntas, perguntas. É isso tudo que A Dama do Silêncio levanta -- e mais um pouco. Tudo isso, ainda por cima, com uma produção que chama a atenção e com uma história inacreditável, que só podia ter saído, justamente, de um país vibrante da América Latina.
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