O argentino Ricardo Darín poucas vezes decepciona. Sempre pronto para entregar papéis marcantes, o ator sempre cria expectativas em torno de seus trabalhos -- afinal, quem fez O Segredo dos Seus Olhos, Relatos Selvagens e Um Conto Chinês merece essa atenção. Por isso, A Cordilheira chega rodeado de expectativas na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Além de Darín, o longa fala de política latino-americana. O resultado do filme, porém, decepciona.
Dirigido pelo bom Santiago Mitre (de Paulina), o novo filme de Darín leva o espectador para uma conferência de presidentes latino-americanos. No Chile, os líderes políticos se reúnem para tentar firmar um acordo continental de petróleo -- sendo que o Brasil, ironicamente, é o país que coordena isso por conta da Petrobrás. O foco do filme, porém, fica no presidente da Argentina, o passivo e pouco expressivo Hernán Blanco (Darín), que tenta mostrar a sua importância na reunião.
A ideia do filme de Mitre, que tem roteiro dele próprio e de Mariano Llinás (que também assinou Paulina), é muito boa. Passado em meio a cordilheiras geladas do Chile, o filme tem um visual claustrofóbico e que consegue passar da tela para os espectadores todo o gelo de um encontro desse tipo. Algumas cenas, aliás, ajudam a pontuar o sentimento de artificialidade dos encontros entre presidentes, como numa bizarra cena em que eles são fotografados.
A trama política também impressiona pela sagacidade. Mostra a relação entre os países latino-americanos e como interesses privados -- ou que ajudariam um único país -- pode ter efeitos catastróficos no continente inteiro. O americano Christian Slater até faz uma ponta no filme para mostrar a influência dos Estados Unidos, permitindo que o público veja Darín falando em inglês pela primeira vez nas telonas. É divertido e, novamente, mostra uma boa e pouco retratada realidade.
O único ponto negativo da trama política de A Cordilheira está na temporalidade da trama. Não sei, sinceramente, quando o filme foi escrito. Mas, sem dúvidas, foi antes da crise que o Brasil começou a atravessar. Afinal, no longa-metragem, somos retratados como um País de governo forte e que tem uma estatal de petróleo que manda em todo o continente. Sem dúvidas, Mitre não estava se referindo à Temer. Não é à toa que essas cenas renderam risadas na sala de cinema.
Isso, porém, não seria tão prejudicial à trama se não fosse um outro grave problema: perda de foco. Em determinado momento da trama, Santiago Mitre simplesmente abandona essa história de política latino-americana e parte para um drama bem artificial envolvendo a filha do presidente -- que chega até a ter cenas de hipnose. Não tem nada a ver com esse filme e as cenas fazem o espectador perder a atenção. E pior: depois, Mitre esquece a filha, volta pra política e não resolve algumas situações.
No fim, fica a sensação de que A Cordilheira é potencial desperdiçado ao esquecer da trama política e focar numa drama sem sal da personagem da fraca Dolores Fonzi. A ideia era muito boa e Darín, como sempre, se entregou ao papel -- impedindo que o filme se torne uma catástrofe geral. Mas, infelizmente, não foi dessa fez que a América Latina ganhou um bom filme sobre política. A espera continua sendo eterna e mais difícil. Afinal, nem com Darín a coisa deu certo.
* Visto em outubro de 2017, durante a cobertura especial da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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