Nas saídas das exibições de filmes para imprensa, invariavelmente, acontece uma “conversa de corredor” com os críticos perguntando, uns aos outros, o que acharam do filme. Geralmente, as respostas são firmes: gostei, não gostei, detestei, amei. Só que não foi assim com A Baleia: o novo filme de Darren Aronofsky (Cisne Negro) gerou um imenso ponto de interrogação na saída.
A maioria, quando questionada, dizia que não sabia bem. Logo começaram a pipocar as primeiras notas no Letterboxd e comentários no Twitter, mas a dúvida continuou no ar. Hoje, uma semana depois, ainda me pego pensando o que o longa, indicado ao Oscar de 2023, é. Um bom filme? Ou será que é ruim? É de bom tom? Ou será que, no fundo, é de mau gosto?
Confesso que ainda não sei. A Baleia, afinal, é um filme complexo: fala sobre Charlie (Brendan Fraser, no papel de sua vida), um professor de inglês que parece ver sempre o lado positivo das coisas. O empecilho em sua vida, porém, é seu peso: nos últimos anos, Charlie ganhou muito peso e não consegue mais levantar do sofá, ficando dependente da enfermeira Liz (Hong Chau).
Sua vida, com isso, fica limitada. Além da dificuldade de locomoção, ficando preso no sofá, há o elemento da vergonha. Charlie não gosta de aparecer. Durante as aulas à distância, deixa sempre a câmera desligada, alegando que está quebrando. Enquanto isso, quando alguém bate à porta, geralmente não interage. O entregador de pizza, por exemplo, deixa tudo ali na porta, enquanto o dinheiro já está dentro da caixinha de correio. Ele, enfim, não quer ser visto.
A rotina de Charlie, porém, começa a mudar quando Ellie (Sadie Sink) entra (ou retorna?) em sua vida. É a filha distante do protagonista, que não tem uma boa relação com ele, nem com ninguém. Ela é revoltada, reativa, até mesmo violenta. Mas não para Charlie, que quer se reaproximar da filha e corrigir erros do passado. Lembra um pouco a trama de O Lutador, que também fala sobre um homem que precisa rever questões de paternidade.
A partir disso, Aronofsky trabalha em três frentes. Primeiramente, a questão puramente dita do relacionamento entre Charlie e Ellie. É como uma luta fadada ao fracasso: a vida do personagem de Fraser está acabando e parece não haver tempo o suficiente para que o relacionamento dos dois se restabeleça. É desesperador. Sabe quando Liam Neeson ou Bruce Willis precisam desarmar a bomba? É a missão de Charlie, só que com a filha e o desejo de reconstruir pontes.
Outro ponto de atenção do roteiro, assinado por Samuel D. Hunter (‘Baskets’), é a relação de Charlie com a enfermeira. Ainda que seja o ponto menos aprofundado da trama, é também o mais sensível. Liz parece ser a única que consegue ajudar Charlie, ainda que ela não veja mais uma luz no final do túnel. É uma relação complicada, que levanta até mesmo questões éticas, mas que deixa tudo ainda mais humano, sensível e, enfim, verdadeiro.
Por fim, o terceiro ponto tem a ver com um tema caro de Aronofsky: religião. Um personagem que sobra aqui, mas que acaba ajudando a desenvolver a história de Charlie, é Thomas (Ty Simpkins), um rapaz missionário que quer levar a palavra de Deus para o protagonista, chegando ao fim da vida. A partir disso, entendemos mais os sentimentos do personagem, como ele lida com a vida em si e, acima de tudo, com o seu passado e com feridas ainda abertas.
Isso tudo serve para, no final, chegar na essência de A Baleia: entender Charlie, esse personagem que geralmente fica à sombra. É formar a personalidade do protagonista, que se mostra como esse homem sensível. Honestidade é a palavra de ordem. Tudo, ao redor de Charlie, envolve a verdade: seja na relação com a filha, na relação com a religião, com a amiga Liz, com o pedido que ele faz, o tempo todo, aos alunos, para que sejam honestos.
E isso, é claro, funciona: gostamos de Charlie. Não há outra opção. É um ser humano puro que, se errou no passado, está se redimindo e buscando sua redenção. E aí vem um dos problemas de A Baleia, que nos faz pesar o filme eternamente na balança do “é bom” e “é ruim”: Charlie é tão bom, mas tão bom, que se torna fábula. Ele extrapola o mundo real e, apesar de todos esses dilemas dolorosamente humanos, o personagem ultrapassa isso.
É diferente da jornada de O Lutador, que mostra um personagem absolutamente real, com seus erros e acertos, na tentativa de se reconectar com a filha perdida no passado atribulado. A questão da religião, que já aparecia nos filmes Fonte da Vida, Noé e Mãe!, intensifica ainda mais toda essa questão fabular. Charlie poderia tranquilamente ser um personagem bíblico, que sofre com chagas e outras coisas, mas que ainda assim sorri, vê positividade, sente compaixão.
Com isso, no final, surgem esses sentimentos conflitantes que dificultam uma compreensão de como avaliar A Baleia. De um lado, há toda essa humanidade dos personagens, a beleza de colocar luz nessa história e, acima de tudo, uma história que causa impacto, emoção e sentimento. Por outro, há essa problemática de colocar Charlie em uma outra prateleira, para além da própria verdade da existência, como se fosse alguém inalcançável.
Independente do que achou do filme, porém, não dá pra negar: Brendan Fraser é o cara. O ator de A Múmia e Crash: No Limite atinge o ápice de sua carreira. Ele encarna Charlie como nenhum outro ator conseguiria, conseguindo misturar dor e honestidade apenas com o seu olhar. Nem mesmo a maquiagem exagerada, que também pode ser problematizada, atrapalha o desenvolvimento de Fraser em cena. Transita entre emoções como poucos.
E, assim, A Baleia acaba se cristalizando mais com pontos positivos do que negativos. Eu, particularmente, ainda continuaria evasivo de meus colegas, na cabine de imprensa, se questionado sobre o que achei. É um filme complexo, difícil. Nunca mais vou assistí-lo, provavelmente. Mas, em sua essência, tem algo de especial aqui. E a última cena, ainda que tenha sido condenada por muitos, é bonita. E nos mostra que pode haver redenção.
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