Pode parecer loucura, mas sinto que City Hall é um filme que existe por conta de apenas uma única cena. Loucura, afinal este longuíssima-metragem tem mais de 4h30 de duração, documentando o cotidiano da prefeitura de Boston -- um dos maiores filmes em exibição na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Loucura, sim. Mas uma experiência inigualável.
Afinal, o cineasta nonagenário Frederick Wiseman (que tem gosto por obras longas, como National Gallery, de três horas) não tem pressa. Ao contrário de A Machine to Live In, também em exibição nesta Mostra, ele foca nas instituições, não nas pessoas. Foca na burocracia, não na poesia. Foca na aspereza das relações em um mundo de política, não nas relações humanas.
Dessa forma, ao longo de suas mais de quatro horas, nos embrenhamos na gigantesca máquina de uma prefeitura. Vagamos, de cena em cena, por tudo que compõe um governo municipal: as infindáveis reuniões do prefeito, grupos de ajuda, discussões sobre moradia e afins, o canil, equipes de podas e por aí vai. O filme, com seu tamanho, nos mostra o tamanho da prefeitura.
E não poderia ser diferente. Vi pessoas reclamando, dizendo que o filme deveria ter duas horas. Que nada. Wiseman, experiente e inteligente como o é, sabe que não seria possível fazer um filme sobre instituições tendo apenas 1h30, quiçá duas horas. Este filme, no alto de seus 270 minutos, é cansativo e cria a experiência. Sentimos, no sofá de casa, o cansaço da instituição.
É, assim, um filme de troca. Quem também arrisca que é uma propaganda política do prefeito de Boston, o democrata Marty Walsh, também se engana. O cineasta, que também assume o posto de edição, faz uma jogada inteligente na montagem para mostrar a artificialidade do político, por mais bem intencionado que ele seja. Repare como a abertura de seus discursos se repetem.
E lembra da questão da única cena? Bem, há uma reunião com representantes da população local sobre uma tabacaria, com foco em cannabis, que vai entrar na região. Dura cerca de vinte minutos -- um piscar de olhos perto do tamanho de City Hall. É o único momento humano do filme, em que sentimos as opiniões, os anseios, as angústias e as preocupações da população.
Wiseman, de maneira genial, filme 4h10 de burocracia, blá-blá-blá e caos institucional para, no final das contas, mostrar que não importa: ainda há vida lá fora, e as instituições não conseguem perceber isso. É um filmaço, em todos os significados possíveis. Um pouco cansativo demais? Sem dúvidas. E poderia ter acabado na tal discussão. Mas, no final, merece aplausos.
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