Uma das coisas mais refrescantes no cinema atual, lotado de reboots e sequências, são os cineastas autorais com estilo próprio e pouco comercial. Em 2017, Darren Aronofsky reafirmou a sua linha independente com Mãe!, que pareceu ser um barco solitário em meio a enxurrada de ideias enlatadas. A Ghost Story, do ótimo David Lowery, foi outro filme que foi neste sentido. Mas os dois cineastas, infelizmente, ainda não conseguiram criar uma identidade que, de tão forte, já virou sinônimo de um estilo de fazer filmes -- como Tarantino e os Coen, que possuem uma marca registrada em suas produções.
No entanto, há um novo cineasta, ainda pouco conhecido, que deve despontar como um dos grandes nomes do cinema autoral: S. Craig Zahler. Americano, nascido em Miami, Zahler começou sua carreira como fotógrafo e operador de câmera em filmes menores e curtas independentes. Depois, acabou despontando como roteirista razoável com o fraco Desespero, de 2011. O filme é repleto de problemas, mas principalmente por culpa do péssimo diretor Alexandre Courtès (Os Infiéis). A história e os personagens, porém, são bem escritos.
Zahler, assim, conseguiu seu grande espaço em 2015 com o excelente Rastro de Maldade, ou Bone Tomahawk. É um filme completamente autoral de Zahler -- que fez até a trilha sonora, além da direção e roteiro -- e é absolutamente incrível. No centro dessa história, um xerife (Kurt Russell), seu assistente de meia-idade (Richard Jenkins) e um pistoleiro muito esquisito (Matthew Fox) unem forças à um homem machucado (Patrick Wilson) pra resgatar uma mulher raptada por canibais. Pois é. Parece uma maluquice -- e é --, mas é muito, muito bom.
O grande fato de Rastro de Maldade é que Zahler conseguiu apresentar três virtudes num só filme: além de ser autoral, ele homenageou o gênero do faroeste; usou e abusou de uma violência crua e sem firulas visuais; e apostou num final absolutamente surpreendente, mas que segue as linhas gerais da história. O resultado é um longa-metragem para estômagos fortes e que mostrou não ter medo de chocar. Além disso, é maravilhoso ver Kurt Russell e Richard Jenkins atuando novamente em um faroeste moderno, mas que não perdeu a raiz do gênero.
Muito bem. A animação foi grande com Rastro de Maldade, mas poderia ser sorte ou uma ideia represada há tempos que encontrou uma boa maneira de escoar. Mas agora, Zahler mostrou absurda competência também com seu segundo filme, Confronto no Pavilhão 99. Estrelado pelo pouco óbvio Vince Vaughn (De Repente Pai), o longa conta a história de um homem que, após perder o emprego e ter uma crise no casamento, decide ter um filho, enquanto aposta no tráfico de drogas pra sobreviver. O resultado, claro, não podia ser pior: ele vai pra cadeia.
A partir daí, Zahler tece uma trama que ecoa em todas as boas características de Rastros de Maldade. Em primeiro lugar, ele homenageia os clássicos de prisão e os chamados filmes de exploitation dos anos 1970, que apostavam em efeitos visuais ruins por conta de um orçamento extremamente baixo. É algo que Zahler se atém fortemente e parece não se preocupar com as eventuais críticas que poderiam surgir sobre a “baixa qualidade” -- no site Filmow, por exemplo, muitas pessoas reclamam que as cabeças parecem de papelão e que o filme é mal acabado.
Além disso, o cineasta usa ainda mais violência do que em Bone Tomahawk. Há cenas, de fato, difíceis de digerir e que usa uma violência gráfica nauseante. E tudo, claro, levando pra um final grandioso, ainda que em menor escala do que seu primeiro filme, que surpreende o espectador.
Assim, ao final de Confronto no Pavilhão 99, fica claro que Zahler está seguindo um estilo próprio que mescla homenagem aos grandes gêneros do passado, violência extrema e uma trama com requintes de crueldade -- mas que não deixa a surpresa de lado. Seu próximo filme, uma trama policial com Vince Vaughn e Mel Gibson, também deve seguir o mesmo caminho. É um cinema criativo, forte e autoral como pouco vemos por aí. É, enfim, cinema de verdade que precisa ser enaltecido. A torcida, então, é que Zahler ganhe mais espaço. O cinema merece.
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