Impossível não criar expectativas a cada nova temporada de Black Mirror, uma das séries mais instigantes e unânimes de todos os tempos. Por isso, quando a Netflix anunciou a sua quarta temporada, choveu manifestações de euforia nas redes e a ansiedade era sentida em qualquer fórum de discussão sobre cinema e TV. Só que como dizem, melhor criar gado do que expectativas.
A quarta temporada de Black Mirror mostrou certo desgaste criativo de Charlie Brooker, que é a grande cabeça por trás de tudo. Apesar de um fiapo de genialidade aqui e acolá, seus episódios não mostraram a mesma vivacidade de antes e até a crítica social, tão forte e tão pertinente no começo da série, acabou se esvaindo em algumas das histórias dessa morna leva de episódios.
Assim, o Esquina fez críticas breves de cada um dos episódios, mostrando o que deu certo e errado em cada um. E claro: ainda essa semana iremos publicar uma grande análise sobre os erros e acertos técnicos da quarta temporada como um todo. Aguardem e acompanhem o Esquina!
Episódio 1: USS Calister
Muita gente rasgou elogios para USS Calister, episódio incumbido de abrir a temporada. A Revista Subjetiva até fez uma análise muito boa sobre o protagonista/vilão, mostrando a sua impecável construção psicológica. E concordo com tudo escrito no texto e com o argumento de algumas das pessoas que defendem o episódio. No entanto, vamos ser realistas: não é tão bom assim. A ideia inicial é muito interessante e a criação do “universo” -- ou seja, a cabeça do protagonista -- beira o genial, trabalhando em detalhes que integram realidade e fantasia. Só que não passa disso. A história, diferente de quase tudo visto em Black Mirror, é uma grande paródia de si mesma e o final não causa nenhum tipo de reflexão abstrata sobre o caminho da sociedade. Você sai dele da mesma maneira de quando você apertou o play lá no começo. É apenas a história de um homem atormentado com início, meio e fim. Pode ser um pouco conservador ou saudosista demais, mas faltou mais Black Mirror nesse episódio. Não deu.
Episódio 2: Arkangel
Dirigido pela sempre competente Jodie Foster (Jogo do Dinheiro), o episódio Arkangel era para ser o grande destaque dessa temporada. No entanto, acabou sendo desbancado pelo USS Calister. E o motivo é claro: o segundo episódio da temporada tem uma ideia ótima, mas muito mal aproveitada. O começo é o que sempre vimos em Black Mirror: tecnologias bizarras, mas nem tão distantes da nossa realidade e que podem nos afetar a qualquer instante. Existe isso e, ainda, existe uma forte crítica social por trás. Só que Jodie Foster se perde. Na metade do episódio, a história vai para um caminho duvidoso, na contramão do esperado -- no sentido de ser algo aleatório, não uma reviravolta interessante. E o final é muito exagerado, causando apenas uma indagação na audiência do que acabou de ver ali, sem absorver nada. Não há aprofundamento psicológico das personagens, não há explicação de como aquilo rolou. São só fatos jogados na tela. Arkangel é, então, um grande potencial desperdiçado. Dá pena.
Episódio 3: Crocodile
A meu ver, o episódio mais fraco da quarta temporada e de toda a série. Tem muita violência -- muita, muita violência -- e sangue jorrando pra todo lado. É impossível não ficar indignado com todas as atitudes tomadas pela protagonista, vivida com força e elegância pela britânica Andrea Riseborough (de Birdman). Só que o episódio não toma a força esperada. Ele apenas tateia em busca de um sentido e vai chocando o espectador apenas por chocar. Há algumas boas críticas sociais -- como a mulher muçulmana pedindo autorização para sair -- e um toque de crítica tecnológica. Mas é só. Você sai mais chocado pela violência gráfica do que com as possibilidades tecnológicas e sociais do seu futuro. Esse, infelizmente, nem uma boa ideia tem, parecendo ser reciclada de outros episódios da produção.
Episódio 4: Hang the DJ
Aqui as coisas começam a melhorar um pouquinho. É o primeiro episódio dessa estranha quarta temporada que parece ser, de fato, de Black Mirror. Aqui, conhecemos uma espécie de inteligência artificial que determina seu par romântico. É um Tinder do mal, em resumo. A ideia é muito boa e extremamente parecida com o superestimado San Junipero, episódio mais querido da temporada passada. A diferença aqui é que vemos um romance um pouco menos intenso e com uma reviravolta final um tanto quanto previsível e sem emoção, ainda que surpreenda pelo seu tom. Ainda assim, vale pelas boas atuações, pela boa ideia e pela imaginação de algo que está assustadoramente perto de nossas vidas. Só faltou um pouco mais de intensidade.
Episódio 5: Metalhead
Ainda estou tentando entender o motivo de terem odiado tanto esse episódio. É perfeito? De jeito algum. Mas é a história mais assustadora da temporada, mesmo com todo excesso de violência de Crocodile e do exagero no final de Arkangel. Aqui, vemos um robô assassino bizarro, muito parecido com o que o Google estava desenvolvendo há algum tempo com a Boston Dynamics. Com uma fotografia belíssima em preto-e-branco, a história parece ser só uma perseguição gato-e-rato -- ou robô-e-humano, como preferir -- sem um grande sentido por trás. Só que a coisa vai crescendo por conta da direção inteligente de David Slade (de Menina Má.com), que remonta ao clássico Alien: O Oitavo Passageiro, e o final é de cair o queixo. E tudo isso com uma única imagem, sem palavras ou explicações diretas. É Black Mirror puro, sem apelar pra recursos óbvios ou o choque pelo choque. Recomendo ver duas vezes.
Episódio 6: Black Museum
Muito parecido com o ótimo especial de Natal, Black Museum consegue realizar a árdua tarefa de fechar a quarta temporada numa nota alta. Apesar de parecer um amontoado de histórias no início, tudo faz sentido no final e a trama ainda consegue fazer algo que só Metalhead conseguiu nessa temporada: dar medo do nosso futuro por conta de um objeto tecnológico qualquer. Nesse caso é um ursinho de pelúcia que, pelo seu significado, dá um medo absurdo. E o final, ao melhor estilo Black Mirror, tem uma reviravolta ótima -- apesar de um pouco manjada -- e que dá ainda mais força para a história em todos os sentidos. É Black Mirror de verdade, salvando a temporada de se afundar completamente. Afinal, é isso que queremos ver: distopias tecnológicas que dão medo de ligar o celular ao mesmo tempo que você fica chocado pela história em si. Agora, fica o sentimento dividido: queremos uma nova temporada para mais episódios como Black Museum e Metalhead. Mas e se vier mais um Crocodile? Às vezes, é melhor terminar quando está por cima, antes de cair no fundo do poço.
Comentarios