Logo na primeira cena de Deadpool 2, a audiência vê a morte gráfica do personagem que se divide em vários pedaços após uma explosão. É algo que, em qualquer filme, causaria certo asco ou desespero. Afinal, a violência -- por mais fã que a pessoa seja de ver sangue na tela --, em algum momento, bate numa barreira. Tarantino mexe com isso em todo filme, assim como S. Craig Zahler, Gaspar Noé, Von Trier e Park Chan-wook. A violência choca, incomoda. E é isso que esses cineastas, de alguma maneira ou de outra, buscam com suas produções.
Só que em Deadpool, primeiro pelas mãos de Tim Miller e, depois, de David Leitch, faz rir nos momentos mais grotescos possíveis. Na maioria das vezes, como na cena que citamos aqui, nem chega a incomodar de fato. Afinal, não é esse o objetivo final de Deadpool. Desde os quadrinhos e passando pelo game, o herói é um alívio em meio a produções blockbuster saturadas de cuidados para não chocar e, enfim, conseguir se sair bem nas classificações indicativas ao redor de todo o mundo. Imagina se Vingadores tivesse classificação de 18 anos?
Para isso, os roteiristas de Deadpool recorrem à uma estética pouca usada: a da rapidez mental. Jean Epstein, um estudioso do cinema que cunhou o tema, explica que esse tipo de produção trabalha com metáforas, jogos de linguagem e cenas que se sucedem numa velocidade estonteante e que às vezes são até difíceis de compreender em sua totalidade. É algo que o drama A Grande Aposta fez recentemente, por exemplo. Muitas informações em pouco tempo.
Nos filmes de Deadpool, a coisa funciona mais ou menos assim. Com narrativa afiada, os roteiristas vomitam dezenas e dezenas de piadas e referências à cultura pop na tela a cada minuto. Se piscar ou parar de prestar atenção, alguma coisa vai passar batido. É inevitável e é um tipo de narrativa que tem funcionado bem, já que quebra com alguns paradigmas do gênero.
E o que a violência tem a ver com isso? Bem, enquanto a história está se desenrolando de maneira frenética e cheia de meandros, obrigando a uma rapidez mental para associar tudo aquilo, a produção jorra violência. Tem sangue respingando na tela, pessoas perdendo a cabeça, corpos sendo separados de outros membros. É, a priori, um verdadeiro show de horrores e de violência, mas que não chega a chocar a audiência por conta da oposição que faz ao humor.
Enquanto espectadores são massacrados na tela, a narrativa e os diálogos trabalham para que a pessoa faça conexões entre as referências e entenda piadas. A violência acaba saindo pela tangente e tudo vira um grande espetáculo de humor. É uma forma imaginativa e muito criativa de não fazer com que a violência seja usada apenas para chocar -- algo que Tarantino faz muito bem, aliás. Ela está ali com um propósito e ajudando a criar um contexto maior.
Além disso, como muito bem ressaltou a Variety em sua crítica sobre Deadpool 2 e como já citamos há pouco, o personagem Deadpool é um alívio. É aquele momento que as pessoas deixam o universo “engraçadinho” e sem sangue da Marvel ou da DC para algo que vai pro total oposto. E pior: nem filmes como Logan ou Cavaleiro das Trevas, bem mais sombrios e violentos, competem com o mercenário tagarela. Afinal, esses dois filmes chocam com uma violência crua e brutal. Em Deadpool, ela também é brutal, mas está longe de chegar crua à audiência. Ela escapa para o absurdo, para o exagero. E é isso que vemos na tela: a união de opostos.
Engana-se, então, quem pensa que a violência de Deadpool é ao acaso ou só para chocar e quebrar barreiras. Sim, também serve para essas duas coisas. Mas, acima de tudo, é um recurso gráfico inteligente que, junto com o humor rápido e peculiar, formam uma obra que aliviam a audiência que busca ver histórias que saem do padrão e que divertem. Afinal, os filmes de Deadpool não existem para revolucionar nada -- ainda que mexam com alguns paradigmas do gênero. Eles estão lá para ser o escape honesto e divertido do padronizado mundo dos heróis.
E, sinceramente, tem funcionado muito bem. Que continue assim, cada vez mais ousado e violento.
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