O ano era 1964 e Robert Aldrich tentava repetir o sucesso de O que aconteceu com Baby Jane. A receita estava mais fácil que bolo de farinha: ele na direção e o retorno dos atores Joan Crawford, Bette Davis e Victor Buono em participação especial. O filme, porém, tornou-se uma bomba-relógio devido ao relacionamento entre as estrelas Bette e Joan estar cada vez mais desgastado – como pode ser visto no seriado Feud: Bette e Joan, sobre o qual você pode ler mais aqui.
Ao assistirmos Com a maldade na alma, fica claro que o papel de prima Miriam foi feito especialmente para Crawford, que teria sua desforra por Baby Jane. A inversão dos papéis com Bette Davis talvez pudesse compensar o destaque que a rival tivera na última vez que contracenaram juntas. O resultado teria sido diferente, sem dúvidas, mas a substituição por Olivia de Havilland conservou o mistério do filme até sua metade – mas não o impede de ter problemas de qualidade.
Na sanha de produzir algo que atraísse o público, Aldrich apela para situações e takes que transformam sua obra em um filme B de suspense. Desnecessário mostrar mãos, cabeças e braços decepados para gerar horror no espectador. Com a maldade na alma é um filme trash cheio de estrelas e atuações brilhantes. Davis como a frágil Charlotte - obrigada a acreditar que seu amante foi morto pelo pai ou por ela mesma num acesso de raiva – só corrobora o porquê de ser uma das mais respeitadas atrizes. Acostumada a papéis de mulheres antipáticas – por uma preferência sua – Davis não deixa os berros de horror tornarem-se caricatos.
E já que toquei na existência do pai de Charlotte, Victor Buono faz uma participação que, apesar de curta, soa mais que especial. Buono, sem dúvida, era um gênio da atuação, morto aos 54 anos por um enfarto. Outra coadjuvante de peso é Agnes Moorehead como a desbocada Velma Cruther, serviçal de Charlotte mais por fidelidade do que por dinheiro.
A manteiga da pipoca neste filme, porém, é Olivia de Havilland, como a macabra prima Miriam. Chamada para ajudar Charlotte a não ser desapropriada de sua imensa mansão sulista, Miriam mostra as garras lentamente, sempre cínica e fleumática. Questionei o que terá acontecido com a doce Melanie Wilkes de E o vento levou... (dir: Victor Fleming, 1939) ao ver cada revelação da megera. Talvez o grande mérito seja ver atrizes como Bette e Olivia invertendo atuações consagradas de suas carreiras de forma abrupta.
Com a maldade na alma pode não ser um primor do cinema, mas tem aquele toque de Aldrich até o último instante, com reviravoltas de deixar o queixo no peito. Além disso, o diretor era um mestre da filmagem em preto e branco, com enquadramentos fotográficos dignos de se emoldurar em alta resolução.
Em tempo: apareceram na internet imagens de Joan Crawford como prima Miriam, no início das filmagens. Fiquei na expectativa para saber como seria o filme com a atriz como a malvada da história desde o início. Crawford tinha a sensualidade e elegância daquelas que fazem o público se apaixonar de cara pela vilã da história.
Outra curiosidade está na cena que Miriam e Charlotte estão no carro, voltando de uma situação limite para as duas. Vinte e oito anos depois uma situação semelhante poderia ser vista em Thelma e Louise (dir: Ridley Scott, 1992) com Geena Davis e Susan Sarandon, que interpretaria Bette Davis 25 anos depois.
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