Diretora da produtora BPE que coordena o Cine PE – Festival do Audiovisual, Sandra Bertini é categórica quando questionada sobre as lições que apreendeu da problemática edição de 2017. “A cada edição aprendemos sempre mais com os ‘players’ do evento. Não tomo como lição. Acreditamos apenas que em 21 anos de edições, uma apenas esteve fora da curva da normalidade”.
É natural que Sandra tente amenizar o que aconteceu na edição de 2017 após dois adiamentos, sendo o último após sete realizadores, seis de curtas e um de longa, retirarem seus filmes do festival alegando que ele “favorece um discurso partidário alinhado à direita”.
Os realizadores se juntaram e comunicaram à imprensa o desagravo ao festival que tinha selecionado dois filmes que na visão deles apontavam para o tal alinhamento ‘à direita’. Os filmes em questão eram: Real – O Plano por Trás da História, de Rodrigo Bittencourt, que foi exibido na abertura do festiva, e o documentário O Jardim das Aflições, do cineasta pernambucano Josias Teófilo, que entrou na mostra competitiva. Teófilo declarou na época que já vinha sofrendo represálias dos realizadores pernambucanos de ‘esquerda’ desde o momento que decidiu fazer um filme sobre o filósofo Olavo de Carvalho, conhecido por seus pensamentos e depoimentos polêmicos de extrema direita.
Em discordância a atitude unilateral e arbitrária dos realizadores que inscreveram seus filmes no Cine PE, e depois retiraram sem comunicar a direção do festival, Sandra Bertini numa decisão corajosa e justa resolveu ‘comprar a briga’, deixando os longas na grade da programação da edição de 2017. Por conta disso, parte da imprensa que cobria o festival em edições anteriores resolveu boicotá-lo em apoio aos cineastas descontentes.
Mas alguns problemas do festival, para quem esteve lá cobrindo no ano passado, não foram os tais filmes ‘alinhados à direita’, como alegaram cineastas e parte da imprensa partidária. Até porque o Cine PE já tinha exibido filmes que poderiam ser qualificados como ‘alinhados à esquerda’, bobagem. “O espaço do festival é para exibição de filmes. É para contribuir com a difusão do cinema nacional. É um espaço para contar diferentes estórias”, entende Sandra em entrevista por e-mail para o Esquina (veja os principais trechos no final da matéria).
Como falado, para quem cobriu o festival no ano passado, parte da problemática edição se deu por conta de escolhas dos longas da mostra competitiva. Dois filmes da respectiva mostra já tinham sido exibidos em canais à cabo, o que fere o regulamento do festival, que pede filmes inéditos em circuito comercial. E um outro, O Caso Dionísio Diaz, de Fabiana Karla e Chico Amorim, era um remendo de uma tentativa mal sucedida de um documentário amador. Foi constrangedor assisti-lo na bela sala do histórico Cine São Luiz.
Mas o filme estava programado para ser exibido fora de competição, antes do episódio da retirada dos seis filmes e de toda celeuma que se criou na imprensa por conta disso. Ficou evidente que o festival foi prejudicado pela polarização política que estava se recrudescendo no país. O que não se justifica é que um festival com mais de duas décadas de existência escolha um filme tão mal realizado e amador como O Caso Dionísio Diaz, mesmo que o exibisse fora de competição.
A outra parte da problemática edição de 2017 aconteceu depois que os jornalistas que estavam cobrindo o festival descobriram que a seleção curatorial dos longas e dos curtas das mostras competitivas não tinha sido transparente. Um dos curadores presentes no festival revelou que dos seis longas exibidos na mostra competitiva ele tinha escolhido apenas dois. Outro curador falou em off que não tinha escolhido nenhum dos longas. Questionada sobre o fato, Sandra Bertini terminou revelando que tinha selecionado parte dos filmes, mas que não assinou a curadoria junto com os outros três selecionadores, numa demonstração de falta de transparência e critério do festival.
E agora, o que esperar da edição de 2018?
Depois do vendaval, agora é hora do Cine PE tentar recuperar a credibilidade e restaurar a relevância que conquistaram nas últimas duas décadas,em mais uma edição, a 22ª, que este ano acontecerá entre 29 de maio a 4 de junho. Novamente o local de exibição será no Cinema São Luiz no Centro Histórico de Recife. Dos seis longas da mostra competitiva, três são do Rio de Janeiro, dois de São Paulo e um de Goiás.
Um dos três curadores deste ano, Edu Fernandes, membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), relevou que uma das preocupações deles era montar “uma edição bacana e memorável do festival para que ele tenha essa relevância que merece ter”. Nas palavras de Fernandes, seria uma edição para que se faça jus à tradição que o festival adquiriu em mais de duas décadas de realização. No sentido de “dar uma guinada mesmo, para ter uma edição boa”, espera.
Nos últimos anos, os cineastas pernambucanos passaram a não inscrever seus filmes no Cine PE, em parte por discordarem da maneira como Sandra Bertini, atual diretora, e seu marido, Alfredo Bertini, ex-diretor, conduzem o festival. Esquina apurou com Sandra Bertini que apenas dois longas locais foram inscritos no festival, número inexpressivo para uma das produções mais destacadas do cinema nacional, em número e qualidade. Segundo Edu Fernandes, é notório que há uma resistência dos realizadores locais ao festival e que eles “não abriram mão de passarem um filme interessante de outros locais só para ter um filme pernambucano”.
Além dos seis longas da mostra competitiva – Os Príncipes ,de Luiz Rosemberg Filho (RJ), Henfil, de Angela Zoé (RJ), Meu Tio e o Joelho de Porco, de Rafael Terpíns (SP), Marcha Cega, de Gabriel Di Giacomo (RJ), Christabel, de Alex Levy-Heller (RJ) e Dias Vazios, de Robney Bruno Almeida (GO) –, o festival exibirá fora de competição a comédia Mulheres Alteradas, de Luís Pinheiro (SP), com Deborah Seco, Alessandra Negrini, Sérgio Guizé, entre outros. E presta duas justas homenagens, a cineasta pernambucana Kátia Mesel, que comemora 50 anos de carreira e a Cássia Kis, que já venceu um Troféu Calunga, em 2001, como atriz coadjuvante de Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky. Segue entrevista com Sandra Bertini.
Esquina da Cultura: Quais foram as lições que vocês tiraram da edição do Cine PE do ano passado, quando receberam boicote de parte dos cineastas de Pernambuco e dos críticos de cinema?
Sandra Bertini: A cada edição aprendemos sempre mais com os ‘players’ do evento. Não tomo como lição. Acreditamos apenas que em 21 anos de edições , uma apenas esteve fora da curva da normalidade. O espaço do festival é para exibição de filmes. É para contribuir com a difusão do cinema nacional.É um espaço para contar diferentes estórias.
Esquina: A curadoria do ano passado, feita por três jornalistas, não ficou clara quando se descobriu que eles não tinham aprovado todos os seis longas exibidos na mostra competitiva. Esse ano, os três curadores exerceram a função de aprovarem os filmes na mostra competitiva de longa e de curtas. Como se deu essa curadoria? Qual foi sua participação?
SB: A curadoria da edição de 2017 foi tão importante como as demais curadorias de outras edições. Através dos filmes escolhidos foram montadas as mostras competitivas, que contaram diferentes estórias. A edição de 2018 também conta com 03 curadores que receberam 503 filmes para analisar entre curtas e longas metragens. A minha participação foi na escolha dos filmes Hors Concurs.
Esquina: Vocês irão convidar novamente grande parte da crítica que se NEGOU a participar da edição do ano passado do Cine PE?
SB: A minha assessoria de imprensa está iniciando o convite aos veículos de imprensa que cobrem os Festivais Brasileiros.
Esquina: Gostaria que você falasse um pouco da edição deste ano, dos filmes das mostras competitivas de longas e de curtas e das homenagens a duas mulheres, a atriz Cássia Kis Magro e a cineasta pernambucana Kátia Mesel...
SB: A Kátia Mesel é uma brilhante diretora de Pernambuco e está fazendo 50 anos dedicados ao audiovisual. A Cássia Kis (sem o Magro) é uma atriz espetacular que dedica o seu corpo e a sua alma a qualquer personagem que lhe atribuem. Já fez mais de 15 filmes, entre eles Bicho de Sete Cabeças (2001), de Laís Bodanzky, por ele ganhou o Troféu de melhor atriz coadjuvante no Cine PE Festival do Audiovisual.
Esquina: Qual o orçamento para esta edição? E quais foram as dificuldades enfrentadas para montar a grande do festival?
SB: Orçamento é de R$ 1,4 milhão, aprovado na Lei Rouanet. Não tivemos dificuldade com a montagem da grade, como dissemos anteriormente, tivemos muita oferta de filmes, ou seja, 503 filmes, inclusive o número de inscrições de filmes foi superior a edição de 2017.
Esquina: Na lista dos seis longas da mostra competitiva, temos três filmes do Rio, dois de SP e um de Goiás. Não entrou nenhum filme de Pernambuco, ou os cineastas não quiseram mandar seus filmes para o festival?
SB: As inscrições de Pernambuco foram de 2 longas metragens e 37 curtas metragens. Total de 39 filmes.
Esquina: Você diz que o Cine PE sempre foi uma janela para o cinema independente, mas uma das reclamações dos críticos que cobriam o festival era de que, nos últimos anos, grande parte dos filmes era “cinemão”, sem proposta estética e de linguagem. Gostaria que você comentasse a respeito.
SB: O Cine PE é um festival de cinema. O conceito de festival se identifica com diversidade, com pluralidade.
Esquina: O que você poderia destacar em relação às mesas, seminários e oficinas desta edição?
SB: Faremos um grande encontro de distribuidores de tevês abertas e pagas, e profissionais de games no segundo semestre de 2018 no Recife. O evento será uma continuidade do Cine PE, apenas deslocado da primeira parte, que acontecerá entre 29 de maio a 04 de junho de 2018. Será o Cine PE Mercado e Seminários. O foco é apoiar o escoamento da produção audiovisual, em especial, do Norte/Nordeste e Centro-Oeste.
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