Deus é brasileiro. E o Batman também. Afinal, o paulistano Elvis delBagno, de 32 anos, é o primeiro diretor de cinema, em todo o mundo, a conduzir um fan filme do personagem da DC em formato de longa-metragem. Um Conto de Batman: na Psicose do Ventríloquo já começou a ser exibido em mostras de cinema no Brasil e, até mesmo, a concorrer em prêmios no exterior -- foi um dos concorrentes a Melhor Filme na Gen Con Film Festival 2018.
Na história de delBagno, as ruas e o submundo de Gotham são infestados por todo tipo de criminosos. Um deles é O Ventríloquo (Caetano Martins) e seu boneco, o tenebroso Scarface. Operando como líder de uma linha de produção de drogas, o vilão deseja despejar suas substâncias tóxicas nas esquinas da cidade. Algo que Batman (Lorenzo Martin), como já é de costuma, não vai permitir. Custe o que custa e doa a quem doer.
"Não teve uma história da qual eu me inspirei totalmente. Foi um apanhado", conta Elvis em entrevista ao Esquina. "Comecei com um roteiro para curta, história bem simples de uns 20 minutos. Mas devido as dificuldades em produzir o figurino do Batman, eu comecei a filmar algumas cenas sem o herói. E elas me possibilitaram enxergar que o filme poderia não ser somente sobre o Batman e, sim, sobre os personagens de Gotham City."
Abaixo, confira a entrevista completa de Elvis delBagno ao Esquina, onde ele explica o processo de filmagem, as inspirações, os desafios e, claro, futuros projetos da carreira:
Esquina da Cultura: Como surgiu a ideia de fazer um Batman Fan Film em longa-metragem?
Elvis delBagno: A ideia surgiu após eu terminar o curso de Cinema na Faculdade Anhembi Morumbi, em São Paulo. Eu buscava um projeto para realizar e ingressar no mercado cinematográfico. Na época, em 2008, os filmes de super-heróis estavam em alta, mas não tínhamos a frequência de lançamentos que temos hoje. Lembrei de Dead End, um fan film curta-metragem do Batman de 2003, onde o personagem era explorado como nas HQs, com roupa colante e clima noir. Isso me chamou atenção, já que poderia explorar o Batman pela sua essência, com uma boa história e sem tantos efeitos especiais. Reuni algumas boas ideias e realizei o projeto dentro das minhas possibilidades.
Esquina: E como foi o processo de elaboração? Roteiro, ambientação, personagens?
EdB: Os quadrinhos me ajudaram muito a entender enquadramentos e como contar histórias sem diálogos. Sempre gostei muito mais do silêncio do que do diálogo. Os quadrinhos influenciaram bastante a estética do filme, principalmente, aqueles antigos que as cores eram chapadas. Isso me fez pensar na fotografia como uma história de quadrinhos antiga, onde existia pouca variedade de cores ao longo do quadro. Houve também inspiração no figurino do Batman, com Guerra ao Crime, de Alex Ross, e a figura humana dada ao herói na HQ.
No conteúdo houve influência até certo ponto. Não teve uma história da qual eu me inspirei totalmente. Foi um apanhado. Comecei com um roteiro para curta-metragem, história bem simples de uns 20 minutos. Mas devido as dificuldades em produzir o figurino do Batman, eu comecei a filmar algumas cenas sem o herói. E elas me possibilitaram enxergar que o filme poderia não ser somente sobre o Batman e, sim, sobre os personagens de Gotham City. Era como os moradores de Los Angeles no filme Short Cuts, de Robert Altman, que foi minha grande inspiração. Nisso eu tinha espaço para aprofundar os personagens do modo que eu queria.
Tracei alguns pontos que gostaria de debater como cultura popular, sonhos perdidos, desigualdade, fins justificando os meios. Gostaria que, quando o filme fosse para fora do país, as pessoas sentissem os problemas que temos por aqui e que o filme não fosse apenas um material qualquer. Um filme representa uma época, um lugar onde foi concebido. Se um diretor não pensar no contexto social e político que seu filme representa, o filme não conseguirá dialogar com as pessoas.
Eu sempre mantive os pés no chão e trabalhei com o que era possível, com o que estava ao meu alcance naquele momento, o que eu poderia fazer com os meus conceitos, e eu fiz. Roteirizei, produzi, dirigi, fotografei, editei e finalizei. Estudei sobre e dei uma cara ao filme. Ilustrei com coisas simples, luz, desenhos e até chuva conseguimos fazer. Não inventei de explodir carros ou fazer um Batmóvel. Isso não ficaria bom. Roteirizei o filme com as locações que eu tinha, para baratear e ter algo concreto em mãos. Usei o capanga Scarface porque era um personagem pouco explorado e que tinha problemas psicológicos, assim como o Batman.
Esquina: Como a realização de um fan film sobre o Batman se encaixa na sua carreira?
EdB: Eu sempre procurei contar histórias que saem dos padrões. Histórias das quais eu gostaria de ver no cinema, que me surpreendessem. Quando você assiste filmes demais e pega a maioria dos Hollywoodianos com os mesmos pontos de viradas, com a mesma estrutura, seguindo a saga do herói, não é mais interessante para nós, cinéfilos. Hoje em dia os filmes são receitas de bolos, onde somente alguns diálogos são trocados. E eu não queria fazer um filme tipicamente brasileiro, que também estamos cansados de ver, com dramas sociais exagerados. Eu sou um diretor de cinema fantástico, surrealista, de uma escola Hollywoodiana clássica e com um toque brasileiro. Na minha carreira, realizar esse filme foi conseguir mostrar ao mundo uma nova roupagem do personagem, de trazer novamente o conceito antropofágico da coisa de volta a arte no Brasil. Peguei um produto culturalmente americano, vesti de verde e amarelo e estampei para o mundo. Tanto que os festivais mundo afora, principalmente, nos EUA, que o filme passou, esse ponto chamou muita atenção. É exótico o Batman falando português e os capangas colocando seus problemas de terceiro mundo para fora.
Esquina: Hoje em dia, a DC enfrenta um grave problema de identidade nos cinemas, não sabendo se encaixa seus filmes em tons mais sombrios ou mais divertidos. Pra você, qual o melhor tom para tratar o Batman?
EdB: Vejo que o maior problema da DC é querer unir o Batman dentro da Liga da Justiça. Isso pode funcionar bem nas histórias em quadrinhos, nas séries animadas, mas quando você coloca um ator de carne e osso no mesmo universo do Superman e Mulher-Maravilha, onde vilões com muito pouco despedaçariam o Batman, já soa falso. Perdemos o tom humano, as fraquezas físicas do personagem. Todo mundo que gosta do Batman, gosta porque sabe que ele pode se dar mal. Pode se machucar, tem o trauma familiar e por isso gostamos de sentir-se em sua pele. Isso é o porque Hitchcock colocava sempre um ator com cara de “comum” para seus personagens. Isso se chama identificação. O Batman deve ter seu tom sombrio. O tom divertido não funciona para ele. Já ouve essa época, mas, hoje em dia, os tempos são mais sombrios. Burton e Nolan fizeram uma boa representação com o personagem. Agora, para o restante dos personagens da DC, não vejo problema os filmes serem mais divertidos e coloridos. O Superman, de Donner, funcionou muito bem assim.
Esquina: Quais seus próximos planos? O que esperar de 'Um Conto de Batman: Na Psicose do Ventríloquo'?
EdB: Tenho dois longas recentes, e ainda pouco conhecidos, que estou tentando distribuir. Muitos projetos no papel, contatos com algumas produtoras e estudando como produzir. Tenho algumas ideais para os próximos passos na carreira, mas ainda nada 100% definido. Pode ser desde um super-herói inédito, uma adaptação peculiar de Macunaíma ou um seriado CyberPunk. Claro, empregando meu estilo surrealista, fantástico, com uma pitada de verde e amarelo.
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