Jorge Pescara, nos últimos anos, tem ganho cada vez mais destaque no mercado instrumental e jazzístico no Brasil e no mundo. Afinal, depois de tocar com nomes como Luiz Bonfá, Paulo Moura, Eumir Deodato e José Roberto Bertrami, ele já incursiona no seu terceiro álbum solo, Grooves in the Eden, vindo logo após os elogiados Grooves In The Temple e Knight Without Armour. E, desta vez, a fusão de estilos, que já era uma marca nos seus outros álbuns, vai além e fica ainda mais vibrante e interessante.
Ao longo das 15 faixas, Pescara passeia pelo jazz, rock, pop, funk, r&b e música brasileira. São releituras (Povo, Smoke On The Water, Come Together, Brazilian Rhyme, Song For Barry) e temas inéditos (MacumBass, Plato’s Dialogues: Timaeus & Critias). São obras diferentes que, de alguma maneira, se juntam na marcação elegante e bem definida do baixo do instrumentista e criam uma narrativa só no disco. É música, é jazz, é inspiração. É um passeio completo que, junto com os outros dois discos, ajudam a criar uma visão geral e inspiradora sobre a figura de Pescara. Difícil não se encantar.
Abaixo, confira entrevista do Esquina com Jorge Pescara, feita por e-mail, sobre Grooves in the Eden:
Esquina da Cultura: Jorge, você conseguiu construir uma carreira internacional ao longo do tempo. É um desafio maior? Há diferença na forma como a música instrumental é tratada aqui e lá fora?
Jorge Pescara: Música, de uma forma geral e, independente dos rótulos, é tratada de forma muito diferente aqui no Brasil do que na Europa ou os EUA. Além disto, a falta de 'cultura musical geral do povo', por não termos música nem musicalização na escola básica (até a Argentina possui música no ensino básico), faz com que o público esteja sempre desinformado e três passos atrás do restante dos países citados. Sem entrar em assuntos políticos, temos uma defasagem que ultrapassa décadas de má gestão cultural. Veja, ha alguns anos tenho empunhado a bandeira de trazer novas sonoridades, novos timbres e novos instrumentos pra cena musical, mas no próprio seio da arte tenho visto e sentido a falta de visão de muita gente. Tocar um baixo de 12 cordas com muitos pedais de efeitos, não é nada fácil neste cenário (risos). Mas o lado positivo é (parafraseando o amigo produtor, escritor e jornalista Alex Antunes) perceber a bolha sendo furada neste 3º álbum, com uma aceitação significativa desde o inicio do processo. Acredito que esta diferença um dia caia a ponto de equivalência total, mas ainda temos um longo caminho pela frente, pois o país é continental, as raízes são diversificadas… Em contrapartida o senso artístico do brasileiro é imenso, também. Só está adormecido ou não cultivado. Quando você consegue levar o show, o workshop, ou mesmo as músicas tocadas em radio, na internet, etc, conclui que as pessoas estão ali sim, aptas à ouvir. Basta quebrar bloqueio logístico (aumentando a aceitação dos contratantes), e também fazê-las (as pessoas) perceber que há algo diferente pra se ver, ouvir e entender, criando assim um público consumidor de arte.
Esquina: Como foi a concepção de 'Grooves in the Eden'? Sentiu mais pressão depois do sucesso de seus outros discos?
Jorge: O artista que não sentir alguma pressão ao realizar alguma obra perdeu o Tesão da Arte! Sentimos sempre algum tipo de pressão. Nunca estamos satisfeitos. Sempre pensamos que poderíamos ter feito melhor… (risos) Fato é que a ansiedade volta e meia bate à porta. Mas tenho conseguido equilibrar isto com muito trabalho interior, pesquisas, estudos e práticas musicais. Estou sempre aberto pra ler, ouvir e entender o universo da Música, como um todo. Alguns instrumentistas, de um modo geral, estão sempre focados em seu próprio mundo… Um baixista, ou baterista, ou um guitarrista por exemplo, só vê a música através de seu próprio instrumento. Não consegue dissociar a parte do seu instrumento da questão. Ver a música como um todo é um exercício que começa na iniciativa. E isto amplia os horizontes, fortalecendo as bases para que, com isto, consigamos lidar com a pressão. Neste momento me sinto mais em paz com minha trajetória.
Esquina: Você regravou composições de Beatles, Deep Purple, Earth Wind & Fire. Como é trabalhar com recriações e reinterpretações como essas?
Jorge: Na verdade, na hora de trabalhar a música, não sinto tanto a diferença entre pegar um tema consagrado ou uma composição inédita. Trato as duas com a mesma entrega e concentração. Acho que a parte que pode influenciar de algum modo seja o aspecto de conseguir um diferencial, algo que seja original, e que as outras regravações (de outros artistas) pra esta mesma música, não possuam. No caso de Come Together, onde usei os funk fingers (duas pequenas baquetas de percussão acopladas aos dedos indicador e médio e que servem pra bater nas cordas extraindo sons percussivos do baixo), serve como exemplo pra isto. Nela eu criei um arranjo e uma ambiência onde ao mesmo tempo temos a versão original, mas somada com algo inusitado que é o timbre e ritmo do baixo. Já em Brazilian Rhyme eu optei por uma desconstrução do groove, onde a batera do Paulinho Black executa uma levada minimalista e laid back (intencionalmente puxando levemente pra trás todo o ritmo), então meu slap teve de ser comedido. Como criei o conceito antes de gravar o baixo, me vi pensando nisto na hora de realiza-lo. Em cada uma delas tive ou criei a oportunidade para extrapolar meus limites… quebrar meus paradigmas.
Esquina: Quais são seus planos depois de 'Grooves in the Eden'?
Jorge: Sou um bocado workaholic na música, então não paro de pesquisar novas ambiências, novos timbre, instrumentos inusitados, pedais de efeito diferentes, outras técnicas, etc, etc, etc. Com isto minha mente ferve com idéias novas e sempre passo tudo pro computador. Tenho um caminho longo à seguir ainda na divulgação do Grooves in the Eden, e no segundo semestre me esforçar pra levar um show diferenciado pra outras cidades. Quem sabe um novo disco… outro livro… outro instrumento exótico… o tempo dirá! (risos)
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