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Foto do escritorMatheus Mans

As dificuldades de Murilo Benício em levar Nelson Rodrigues para as telonas


Diretor da nova versão de O Beijo no Asfalto, Murilo Benício contou que, em determinado momento do processo de produção de seu primeiro filme atrás das câmeras, sua esposa e também atriz Débora Falabella não gostou dos rumos que a coisa estava tomando. "Ela veio brigar comigo pois eu não parava de trabalhar", contou o ator, diretor e roteirista durante coletiva de imprensa em São Paulo. "Eu chegava de gravação às 23h e já ia trabalhar no projeto de O Beijo no Asfalto. Ficava nisso até 4h e ia gravar de novo. Resolvi desenhar cada cena, cada plano. Tudo ali precisou ser muito planejado", disse.

E, de fato, não havia como ter outra saída. Murilo, além de ser um cineasta de primeira viagem, tinha um projeto complexo nas mãos. O texto original desse seu primeiro filme, do dramaturgo Nelson Rodrigues, tem um pé muito forte no teatro e repele um pouco da linguagem cinematográfica. Além disso, era preciso vencer a barreira da memória afetiva: a trama de um homem que beija um rapaz agonizante no meio da rua, e por isso se torna capa de jornais, já tinha sido contada num grande filme em 1980. No elenco, nomes como Tarcísio Meira, Ney Latorraca, Daniel Filho e Christiane Torloni.

"Gosto muito do texto do Nelson nessa peça. Afinal, a história fala sobre alma humana, e por isso é tão atual. As coisas vêm e vão, mas a gente continua a ser. O ser humano ainda vive as mesmas questões de antes", contextualizou o diretor. Ao ser questionado sobre a escolha específica sobre O Beijo no Asfalto e como decidiu ser esse o texto de seu primeiro filme, porém, não soube explicar. Falabella, que faz a personagem Selminha, veio ao seu socorro: "essa história mostra como o homem é julgado até na morte. Precisávamos trazer essa ideia de Nelson, que hoje não é tão conhecido quanto deveria."

Murilo e Débora, aliás, falaram que tiveram dificuldade em encontrar patrocínio para o longa-metragem, apesar de grandes nomes envolvidos na produção, como Fernanda Montenegro, Stênio Garcia, Lázaro Ramos, Otávio Muller e Augusto Madeira. "Teve uma hora que eu quase desisti de tudo. Não encontrava ninguém para nos patrocinar, as pessoas não entendiam o motivo de estar adaptando Nelson Rodrigues", conta o diretor. "Mas isso não é de hoje. A Fernanda [Montenegro], certa vez, tentou vender a peça para um patrocinador, que sugeriu de fazer musical. Imagina isso! Pra Fernanda Montenegro."

Processo. Sobre a gravação do filme, que possui cenas de interpretação e de leitura de texto intercaladas, Murilo conta que deu liberdade para os atores, como gosta de ter quando é dirigido. "A gente estudou o texto durante o processo de leitura, não a interpretação", contextualiza o diretor, que rodou o filme em apenas 12 dias. "Queria dar espaço para os atores criarem os personagens. É preciso ter essa troca de sensações com quem está atuando. Até por isso pensei em gravar a rodada de leitura de texto."

Augusto Madeira, figura onipresente no bom cinema nacional, afirmou que gosta muito do texto escolhido por Benício. "Nelson Rodrigues é muito difícil de filmar, mas esse texto é muito atual. É a fake news, o escândalo com beijo gay, esse negócio da pós-verdade. E o Murilo conseguiu ser muito feliz na forma que contou essa história", disse.

Luiza Tiso, que interpreta a ingênua personagem Dália, foi certeira ao explicar os sentimentos que sentiu ao gravar o longa-metragem. "Esse texto faz a gente refletir sobre o que estamos vivendo", disse a atriz, estreante em longas. "A hipocrisia de alguns dos personagens ainda existe nas nossas casas, nas nossas famílias, nos nossos grupos de amigos. É bom quando alguém expõe isso. E Nelson coloca tudo pra fora."

 

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