Doze. Esse é o número das famílias judias que sobreviveram na República Checa durante a invasão da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, quando Hitler começava a criar medo e a devastar países inteiros. Uma dessas famílias é tema documentário nacional Árvores Vermelhas, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 29, após passar pelo Festival de Cannes e que marca a estreia da designer Marina Willer na direção de longas.
O filme mergulha na história de Alfred Miller, pai da cineasta que enfrentou os horrores da 2ª Guerra e que hoje, aos 87 anos, é um consagrado arquiteto aqui no Brasil. “A gente fez uma viagem com nosso pai há alguns anos na região onde ele morava quando criança”, conta o produtor executivo do longa e filho de Alfred, Marcelo Willer. “A gente filmou alguns trechos sem pretensão. Naquele momento, tínhamos apenas uma ideia bem vaga do que ele tinha passado.”
Com o tempo e com muita conversa, porém, as coisas foram de assimilando e logo Marina e Marcelo perceberam que tinham uma história grandiosa em mãos. Afinal, Alfred não tinha apenas visto os alemães de longe. Pelo contrário: o pai foi perseguido e só se salvou por conta da experiência no setor químico; a avó foi para um campo de concentração, de onde saiu sem vida; e Alfred passou por maus bocados, como quando viu um ataque ocorrer ao seu lado.
Marina, então, preparou um projeto de curta-metragem, como já tinha feito com Cartas da Mãe, em 2000, e colocou pra financiamento no site Kickstarter, com o objetivo de arrecadar 40 mil libras. No meio do processo, porém, uma surpresa. “[O produtor] Charles S. Cohen ligou pra Marina e disse pra ela fazer um longa. Afinal, assim seria assistido por mais gente e iria pra cadeia de cinemas”, conta Marcelo. “Marina pensou por alguns dias e aceitou a proposta.”
E o resultado do longa-metragem é realmente positivo. Marina, que contou com a direção de fotografia luxuosa de César Charlone (Cidade de Deus e Ensaio Sobre a Cegueira) é um deslumbre. Cada frame, que dialoga de maneira poética com a narrativa, tem algo de belo ou surpreendente. Ponto positivo também para a direção de Marina, que soube fazer com que as imagens em tela não se tornassem óbvias com o que está sendo contado. É uma conversa.
Além disso, ao invés de investir no tradicional modelo de “cabeças falantes”, repleto de falas e entrevistas, Árvores Vermelhas segue um caminho mais inventivo com três narrativas. A primeira é a leitura dos diários de Alfred pelo ator britânico Tim Pigott-Smith (de Victoria e Abdul), que faleceu poucos dias após a finalização da gravação. A outra é da própria Marina investigando seu passado. E a outra de imagens históricas da República Checa e da vida de Alfred.
Ainda que falte melhor depuração do roteiro, que repete algumas informações, essa tríplice linha temporal ajuda a dar agilidade e torna a história de Alfred ainda mais interessante. “A gente não queria contar algo tão familiar no início. Na verdade, pretendíamos contar algo mais universal”, diz Marcelo. “Só que resolvemos olhar mais diretamente pra nossa história de vida.”
E Marcelo ainda finaliza nossa conversa com uma boa notícia: Alfred, o patriarca e principal nome do documentário, adorou o resultado. “Ele é um pouco mais fechado, mas deixou bem claro que aprovou o filme”, conta Marcelo, com um largo sorriso no rosto. “Isso já vale muito pra gente.”
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