Tony Ramos chegou falante à entrevista sobre o filme Quase Memória. Pediu desculpas por ter atrasado alguns minutinhos e disse que tinha pego o casaco pois poderia chover -- após um aviso de sua mãe. Foi uma surpresa, então, quando o ator global veterano afirmou que a grande lição desprendida de sua atuação no longa-metragem de Ruy Guerra tenha sido o ensinamento sobre o silêncio. "Compreendi que precisava valorizar o silêncio. No momento que vivemos, é preciso de mais civilidade para ouvir os outros. E isso, aprendi agora, ocorre só com o silêncio."
Na trama, inspirada livremente num livro homônimo do saudoso escritor Carlos Heitor Cony, Tony Ramos é um homem que vive um conflito interno ao encontrar, em seu apartamento, a presença de si mesmo -- só que algumas décadas mais novo. E nesse embate psicológico, o personagem irá recordar aspectos da infância, da família e de sua formação como homem e pessoa. "Quando li e reli o roteiro, fiquei fascinado pelo processo que o personagem passa e vive", disse o ator.
Ruy Guerra, veterano da indústria cultural, confirmou as palavras sobre o silêncio que Tony passou a valorizar. "Ele entrava no set e nem dava bom-dia", afirmou o cineasta de Estorvo e Os Cafajestes. "A gravação poderia durar 10 horas, que ele ficava quieto, em silêncio, em seu próprio universo. Quando eu gritava corta e coloca um fim nos trabalhos daquele dia, o Tony se transformava. Começava a contar histórias e se formava uma roda ao redor dele. É um profissional incrível."
Quebra de silêncio. Enquanto Tony Ramos aprendeu a valorizar silêncios, Ruy Guerra foi pra direção contrária. Durante a entrevista concedida no Caixa Belas Artes na última sexta-feira, 6, o cineasta foi polêmico em todas suas respostas. Quando perguntado sobre o que o Brasil de hoje diria para o Brasil do passado, Guerra disse que ia se abster de dar alguma resposta por conta da atual situação do País. Mas se mostrou indignado com a prisão de Lula. "É uma grade tristeza", sintetizou.
Além disso, o diretor de Quase Memória não tardou em criticar a Globo Filmes -- que, aliás, é uma das produtoras de seu novo longa-metragem. "A Janaína [Diniz Guerra, filha de Ruy, produtora do filme] me perguntou se eu tinha algo contra a Globo entrar como a produtora de Quase Memória", conta Ruy. "Disse que tudo bem desde que eles não se intrometessem no meu processo criativo. E no final fiquei surpreso. Eles não falaram nada, não opinaram em nada. Acho que a Globo virou uma donzela maravilhosa. Talvez eles nem saibam desse meu filme."
Guerra ainda alfinetou o produtor Daniel Filho. Parceiros no excelente Os Cafajestes, filme de 1962, eles só voltaram a se encontrar agora -- antes disso, ainda trocaram farpas após revelações de que a Globo Filmes estava fazendo exigências severas em suas produções. "Coloquei o Daniel Filho como produtor por ele ser meio capataz", diz. "Ele chega daquele jeito explosivo no set e, como sou explosivo, tudo acaba se resolvendo. Outros opções para produção poderiam ser prejudiciais. O Daniel Filho fala tudo logo de uma vez, daquele jeito dele. Isso é bom."
E Tony Ramos, que tem uma longa relação com Filho, desta vez, não se calou: "Não quero ser advogado de ninguém aqui. Mas a Globo sabe muito sobre seu filme e sabem de toda liberdade que precisava ser dada no set para Ruy Guerra e seu cinema autoral. Você pode achar que não, mas é assim", completou Tony, quebrando o seu aparente voto de silêncio sobre questões delicadas. Ruy Guerra, enquanto isso, riu e puxou um aplauso para liberar sala do cinema para a próxima sessão.
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