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Foto do escritorMatheus Mans

Análise: Oscar tem cerimônia fluída, mas com prêmios frustrantes


Muita gente achou que o Oscar iria fazer história na noite de domingo, 24 de fevereiro. Afinal, as cartas estavam na mesa e a cerimônia tinha tudo para premiar Roma como o Melhor Filme. Uma produção em preto-e-branco, distribuída por um serviço de streaming e falada inteiramente em espanhol. Ia ser marcante. Ia ser a mostra de que a Academia evoluiu e aprendeu com seus erros mais recentes. Mas não: de última hora, o Oscar deu a guinada que ninguém esperava e apresentou Green Book: O Guia como o filme do ano. Assim, a cerimônia, que foi a mais diversa em anos, virou mais do mesmo.

Ao longo da noite, numa apresentação que durou pouco mais de três horas, as surpresas foram boas e interessantes, em sua maioria. A ausência de um apresentador não só deu fluidez para a cerimônia, como deixou que os convidados tivessem momentos mais interessantes. Não é à toa que o Oscar teve um aumento significativo de 14,3% na audiência após anos de queda. Além disso, os prêmios deram espaço para filmes populares sem ser forçado. Pantera Negra concorreu e levou alguns prêmios, assim como o blockbuster Bohemian Rhapsody -- para o desespero de alguns críticos.

Melhor ainda: esses filmes, que antes eram completamente esnobados na premiação, ganharam prêmios -- alguns deles, merecidos. Foi interessante ver Pantera Negra levando o Oscar de Melhor Figurino, Melhor Design de Produção e Melhor Trilha Sonora. É, de fato, um filme deslumbrante em termos visuais. Foi merecido, também, o Oscar para Bohemian Rhapsody em Mixagem de Som, ainda que O Primeiro Homem seja um filme que se equipara em termos técnicos. Não tão agradável, porém, foi o prêmio para o filme do Queen em Edição e Edição de Som. Sério isso, Academia?

Em termos de entretenimento também foi boa. A abertura com o Queen foi estranha, mas divertida -- engraçado ver os indicados um tanto quanto desconfortáveis. Javier Bardem falando em espanhol foi ótimo, assim como os números musicais e prêmio dado para a Spike Lee (foto). Momentos que, de alguma forma, ficarão ali marcados.

O cineasta mexicano Alfonso Cuarón, enquanto isso, brilhou. Levou três prêmios para casa. Isso mesmo: o próprio ganhou os três prêmios em que Roma foi sagrado vencedor. São eles: Fotografia, Filme Estrangeiro e Direção. É mais um ano em que um diretor mexicano toma conta geral da Academia -- nos últimos seis anos, cinco prêmios para Direção foram dados à mexicanos (Cuarón, Inãrritú e Del Toro, alternados). O incensamento do diretor de Roma, Gravidade e Filhos da Esperança mostra como algumas coisas mudaram na forma que a Academia vota e entende de seus cinema.

Mas nem tudo mudou, infelizmente. Roma foi, num consenso quase geral, o grande filme de 2018. Se Infiltrado na Klan, A Favorita ou até Pantera Negra tirasse o prêmio de Melhor Filme das mãos, até poderia ser justo -- ainda que surpreendente. Mas não era compreensível que Green Book tirasse o grande prêmios das mãos do filme de Cuarón. Ainda mais nessa cerimônia, que foi aberta, divertida, diversa -- muitos estrangeiros e negros concorrendo, numa mudança significativa do que se via anos antes. E aí, no último momento, dão o Oscar de direção para o filme que foi contra isso tudo?

É um tanto quanto contraditório. A cerimônia tenta se transformar, estar antenada com movimentos sociais e, enfim, corresponder aos anseios da sociedade. Mas, ao mesmo tempo, os velhos, brancos e ricos que votam não entendem isso e, com um sistema de voto bizarro, fazem com que um filme Sessão da Tarde ganhe o prêmio do ano? De novo: Green Book não é ruim. Longe disso. É divertido, gostoso de assistir. Mas ele tem questões que precisam ser resolvidas. E, perto de outros três concorrentes, era brincadeira de criança. Não era Cinema com C maiúsculo. Era cineminha divertido.

Estranho também é Bohemian Rhapsody ficar na frente no número de prêmios. Foi o longa mais oscarizado na noite, com 4 estatuetas (veja gráfico acima). É um divertidíssimo entretenimento, mas cheio de falhas, problemas, caos nos bastidores. É, novamente, falta de coerência premiar uma produção como essa numa noite diversa.

De resto, marasmos óbvios (Rami Malek como Melhor Ator; Mahershala Ali como Ator Coadjuvante); algumas surpresinhas (Skin de Melhor Curta; O Primeiro Homem em Melhores Efeitos Especiais); injustiças (Regina King como Melhor Atriz Coadjuvante) e uma surpresa que deixou todos de queixos caídos (Olívia Colman como Melhor Atriz, por A Favorita). Foi uma cerimônia divertida, interessante, fluída, mas que acabou com um gosto agridoce na boca. É a sensação de que poderia ter feito história, surpreendido, mostrado sua modernidade. Mas acabou no mesmo. Ainda falta muito pra se renovar.

 
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