Nos últimos meses, a escritora canadense Margaret Atwood entrou no centro dos holofotes novamente por conta de The Handmaid’s Tale. Publicado pela primeira vez em 1985 -- com o nome O Conto da Aia --, o livro ganhou força em todo o mundo após a adaptação de sua história para um excelente minissérie da Amazon. Agora, seus livros voltam a receber toda a atenção com a adaptação de Alias Grace, livro de 1996 e adaptado para uma minissérie da Netflix.
No centro da história desta nova minissérie temos Grace Marks (Sarah Gadon), uma jovem doméstica que se vê, repentinamente, envolvida numa série de escândalos por conta da morte de seu patrão e sua chefe, numa casa afastada e requintada no interior do Canadá. A partir daí, entramos de cabeça na mente da personagem para entender o que aconteceu na casa e como o crime se sucedeu. Ela que cometeu os assassinatos? Ela ajudou? Ou ela só acobertou?
Para isso, a roteirista e criadora Sarah Polley faz uma adaptação fiel do livro de Atwood. Em um estilo parecido com o ótimo filme A Vida de David Gale, acompanhamos um médico que faz uma série de entrevistas com Grace para responder essas questões. No entanto, aí já esbarramos em uma outra dúvida, ainda mais complexa: é isso o que aconteceu ou ela está contando para, novamente, se esconder do seu passado? Ou será que ela se esqueceu de tudo?
A trama, sem dúvidas, é intrigante. Logo no primeiro capítulo desta minissérie, formada por apenas seis episódios, já somos catapultados pela história voraz e cheia de ramificações. A atriz Sarah Gadon, apesar de exagerar um pouco em expressões faciais, também convence como um tipo atormentado e cheio de dúvidas, mesmo artificiais. Edward Holcroft, Rebecca Liddiard e, veja só, David Cronenberg estão bem. A edição, rápida e cheia de cortes secos, impressiona.
No entanto, conforme a história avança, essa boa impressão inicial vai se perdendo. Apesar de Sarah Gadon só crescer e ter um final apoteótico (fiquem de olho nela!), vários bons e interessantes elementos morrem no caminho. A edição rápida, cheia de flashbacks secos e que assustam, só dura até o segundo capítulo. Edward Holcroft vai perdendo a vivacidade de seu personagem e fica claro como ele é um ator limitado. Até a trilha sonora, vitoriana, desaparece.
Também fica evidente uma falta de ação no “mundo presente”. Enquanto as histórias de Grace se tornam o chamariz da minissérie, as conversas entre ela e o médico (Holcroft) e algumas outras subtramas passadas neste momento temporal acabam tirando o espectador da boa história. Ao contrário de David Gale, citado anteriormente, não há tramas que fazem o espectador ficar ligado em toda duração da produção. Pelo contrário: queria apenas ouvir Grace falando.
Ainda assim, porém, não podemos esquecer que esta é uma história de Margaret Atwood. E isso salva Alias Grace de ser uma série muito irregular. Afinal, a história deixa de ser uma única trama policial para ser, assim como Handmaid’s Tale, uma produção sobre a figura da mulher na sociedade. Grace sempre esteve cercada de homens ruins, que a trataram com desprezo ou como sendo apenas um rostinho bonito. Isso, para uma pessoa como ela, pode ser fatal.
Desse jeito, estudo humano de Atwood acaba se sobressaindo e, apesar de irregularidades técnicas, Alias Grace convence o espectador pelo seu profundo estudo social. Por isso, já vai uma dica: não veja essa série como uma trama policialesca. Pense, busque, amplie os seus horizontes. É pra isso que histórias servem. Para nos tirar da zona de conforto e nos fazer pensar. Isso, sem dúvidas, Alias Grace faz. Que tenham mais adaptações de Atwood! O mundo precisa.
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