Temple Mathews é um profissional plural. Dirigiu a comédia romântica Holiday Breakup, roteirizou as séries Geleia e os Caça-Fantasmas e Dinossauros Radicais, além de ser a mente criativa por trás de filmes como A Pequena Sereia II, Aconteceu no Natal do Mickey e Oi, Scooby-Doo!. E, também, é escritor do romance juvenil A Garota do Orfanato Sombrio, que ganhou a primeira edição no Brasil, recentemente, pela Editora Jangada.
A julgar pelo título e capa da obra de Mathews, difícil não lembrar rapidamente de O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares, livro de estreia do americano Ransom Riggs e que ganhou as telonas pelas mãos de Tim Burton (Edward Mãos de Tesoura). E é fato: há muito em comum entre as duas obras. Fãs do bestseller, aliás, podem até se incomodar com algumas ressonâncias entre uma trama e outra dos dois livros.
No entanto, a semelhança fica na superficialidade e no cenário. Ao avançar na leitura da história de Mathews, percebe-se duas coisas: ele é muito melhor na literatura do que no cinema e na TV; e, principalmente, ele tem uma sensibilidade interessante para tratar de assuntos pouco usuais em obras juvenis, criando uma grande distância entre a sua trama e a de Riggs. A Garota do Orfanato Sombrio é mais palpável, romântico, juvenil e sensorial.
A história acompanha a vida da adolescente Echo, uma menina de 16 anos que acorda, do nada, em um estranho e sombrio orfanato. Ela quer, desesperadamente, voltar para os braços dos pais e do namorado, mas não consegue. Afinal, ela descobre logo depois, seu corpo e sua alma se separaram após uma pessoa misteriosa enfiar uma faca em seu estômago. Sim: Echo, a protagonista do romance de Temple Mathews, está morta.
O que poderia render um livro imensamente sombrio, preocupante e pessimista, porém, acaba se transformando em uma trama solar sobre redenção, redescoberta e busca por valores perdidos. Ainda que o autor tenha sérias dificuldades em criar bons ambientes de romance juvenil, deixando todas as histórias de amor instáveis e pouco críveis, fica clara sua habilidade para compôr personagens. Echo é apaixonante e muito palatável. É difícil não entender sua dor e, ao longo das 300 páginas, mergulhar na mente da garota.
A maioria dos coadjuvantes serve apenas de suporte à Echo e conta com pouco desenvolvimento, mas também são mostra da boa habilidade de Mathews. Cole, o romance de Echo no tal orfanato -- que nada mais é do que uma espécie de purgatório --, é interessante e com algumas boas nuances. Andy, o namorado do "mundo real", segue pelo mesmo caminho, ainda que tenha muito menos espaço na história criada pelo autor.
Há um thriller que permeia alguns dos capítulos de A Garota do Orfanato Sombrio, mas nada determinante para a narrativa. O principal foco do livro continua sendo uma história de autodescoberta juvenil bem interessante e que causa bons efeitos durante a leitura. São elementos, então, aparentemente díspares, mas que combinam muito bem dentro da lógica criada na história. O jeito que Mathews encontrou para amarrar tudo isso, então, dá a sensação de dever cumprido e o desejo de acompanhar um pouco mais da trama.
A Garota do Orfanato Sombrio é um livro que surpreende já que, mesmo sendo claramente juvenil, não tem medo de ficar preso nos limites do gênero e vai além. Fala sobre redenção, autodescoberta, vida no "além", romance, suspense, aventuras. E tudo isso, ao contrário do que parece, muito bem dosado e misturado, sem doses excessivas. Perfeito para quem busca uma leitura leve, descompromissada, emocionante e juvenil.
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