A feira livre se tornou, de certa forma, um símbolo de resistência. As suas cores, a sua liberdade, a alegria de seus dias ficaram encravadas no cinza das grandes cidades. São quase como oásis. Na pandemia, isso se intensificou ainda mais. As pessoas precisaram ficar em casa, por conta do distanciamento social, enquanto os feirantes buscavam maneiras de existir nesse período.
Esse fascínio sobre as feiras livres, assim como suas cores e seus gestos, também contaminou a fotógrafa e artista multimídia Dani Tranchesi. Ela, que já falamos por aqui quando começou exposição em São Paulo, fez um trabalho completo sobre esse ambiente idílico das feiras livres com essa exposição, um lindíssimo livro com suas fotografias e um elegante curta-metragem.
O projeto, chamado 3 é 5, mostra o ser humano por trás das barracas. Nada de frutas e verduras, nada de catálogo de supermercado, como a própria Dani diz. Aqui, vemos vida na feira.
"A feira livre é uma coisa incrível. Como sobreviver nesse mundo tão online, tão delivery? E como manter isso, essa relação com o cliente?", questiona Dani em entrevista ao Esquina. "São pessoas que você conhece, vão lá todo dia. É algo fantástico. Nunca pensei como algo político, mas como uma gente forte, valente e corajosa que não se deixa abater pela modernidade".
A seguir, confira o bate-papo completo com Dani Tranchesi. Se quiser, também é possível ouvir as respostas da fotógrafa e artista multimídia. Basta dar play na caixinha abaixo da pergunta.
Esquina da Cultura: Primeiramente, de onde veio a ideia de fazer uma obra multimídia sobre as feiras livres? De onde surgiu esse fascínio?
Dani Tranchesi: A ideia começou simultâneo livro e exposição. A partir do livro, tirei as imagens da exposição. O livro é algo muito mais abrangente. Outro dia, vendo um livro para crianças, vi que se apontasse para um QR Code, dava em uma música. Achei muito legal. As mídias hoje em dia se misturam mesmo. Acho muito legal essa coisa de ter um movimento. Além da fotografia e além do livro, que já é algo que tem um fluxo, o filme completa isso, essa visão da feira.
Esquina: Você ampliou sua linguagem fotográfica para um livro de fotos, uma exposição e um curta-metragem. Como foi esse esforço multimídia?
Dani: É isso mesmo. As mídias se misturam hoje em dia. Vai ter um dia que vamos ver um filme e sentir um cheiro. Caminhamos cada vez mais para as coisas serem complementares.
Esquina: As feiras livres podem ser vistas até mesmo como um ato de resistência em um Brasil caótico -- há, ali, diversidade de cores, de pessoas, de públicos. Falar sobre feiras livres hoje talvez também seja um ato político?
Dani: A feira livre é uma coisa incrível. Como sobreviver nesse mundo tão online, tão delivery? E como manter isso, essa relação com o cliente? São pessoas que você conhece, que vão lá todo dia. É algo fantástico. Nunca pensei como algo político, mas como uma gente forte, valente e corajosa que não se deixa abater pela modernidade do mundo. São pessoas que acreditam na relação, de conhecer o freguês, do freguês saber de quem tá comprando. É saber que na semana seguinte aquele sujeito que te vendeu uma caixa de tomate vai estar lá e que ele vai poder falar se tava muito bom ou se não gostou. É algo muito diferente de uma venda online, que não tem isso. Eles são resistência mesmo e não tá acabando, nem vai acabar, graças a Deus.
Esquina: Qual o maior desafio que você teve durante a execução desse projeto?
Dani: Acho que um grande desafio foi ter que lidar com isso durante a pandemia. Era tenso. A gente não sabia se tava tudo bem. Mesmo sendo ao ar livre, tinha muita gente sem máscara. E algumas feiras são mais fáceis do que outras para quem anda com uma câmera na mão. Umas feiras mais difíceis, quando me sentia mais insegura, levava alguém comigo para prestar atenção no entorno. Quando estou fotografando, não olho mais nada, se tem alguém me seguindo ou coisa do tipo. Entro em um transe. Então, nas feiras que eu ficava mais insegura, levava alguém comigo, mas não tive nenhuma espécie de problema. E uma coisa que eu senti, mesmo se não fosse na pandemia, é que eles desconfiam. Querem saber o porquê de estar fotografando. É uma curiosidade meio dura. Não são abertos, receptivos. Mas fui ganhando, conquistando essa confiança. Ficou mais fácil. Mas tem uma começo que nunca é simples.
Esquina: Como está sendo a recepção ao seu trabalho? E quais seus novos projetos?
Dani: Está sendo incrível. Em um primeiro momento, quando contava que estava fotografando feira, as pessoas imaginavam frutas e verduras. Agora, talvez assustem um pouco no começo, mas adoram o resultado, adoram que tenha essa figura humana, adoram que seja o dia a dia, que não é um catálogo de supermercado, que não tem essa coisa da beleza das frutas e verduras, mas tem outra beleza. Está sendo muito boa a repercussão dos feirantes, não só os que fotografei, como também de outros feirantes que apareceram. Agradeceram muito, pois dizem que são invisíveis, nunca fizeram trabalho sobre eles. E é verdade. Procurei livros sobre feitas, de fotografia, e não tem. Tem um livro bem diferente assim, mas que não passa isso sobre eles. Ninguém nunca retratou assim os feirantes. Eles estão felizes. Tem uma resposta emotiva muito maior do que imaginei que teria. A ideia, agora, é retomar o que estava fazendo antes, de viajar pelo Brasil para fotografar gente pelo País, fotografar festas religiosas, o que eu queria ter feito em 2020, mas não fiz por causa da pandemia. A ideia agora é recomeçar as viagens.
Comments