1. A trama
Nei Lopes é um profundo conhecedor do Rio, do samba, da periferia, da negritude. Aqui, em Agora Serve o Coração, ele consegue mesclar todos esses assuntos em um só ao abordar a jornada de um povo em Marangatu, na Baixada Fluminense. Ali, naquele microcosmos, Nei une as várias facetas do Brasil ao longo das décadas, dos séculos. E tudo isso com uma elegância verbal fantástica, que mescla prosa e poesia com uma naturalidade que lembra as falas rápidas e que embalam bem a leitura. Cada capítulo do livro avança a história quase que de supetão -- afinal, são séculos de história para apenas 206 páginas. É aquele típico caso de leitura que agradaria até se fosse além.
2. A percepção histórica de Nei Lopes
Como dito, Nei se vale de um microcosmos para contar a história do Rio e, em alguns casos, do Brasil. Para isso, ele mistura a ficção e a realidade, de maneira homogênea, e mostra toda sua percepção histórica. O escritor, aqui, não é só o criador de uma ficção. Nei tem a habilidade e a capacidade de trazer seu conhecimento à baila, ajudando a dar sua visão da História. Há tramas de preconceito religioso, análise sobre o avanço dos evangélicos, questões indígenas, formação do brasileiro e das periferias, o aspecto antropológico da favela, criminalidade e por aí vai. Sem deixar, claro, de analisar os tipos humanos que forma esse mosaico humano difícil de ser dissociado do Brasil real.
3. A percepção de literatura fantástica
A partir da criação desses personagens humanos, que se misturam com a narrativa histórica e analítica do Rio de Janeiro, Nei Lopes cria uma percepção de jornada fantástica. O narrador parece estar flanando entre personagens, ficções, tramas e universo paralelos de um mesmo Rio. Em alguns momentos, chega a lembrar uma Macondo periférica e carioca. Os tipos de personagens, sejam eles ficcionais ou reais, parecem desfilar numa apresentação poética, surreal. Há o homem que conhece tudo da história, o angolano que sabe de tudo, o prefeito que enrola todo mundo na conversa... É um conjunto de personagens bem escritos e que desperta uma verdadeira magia.
Mas, porém, todavia, entretanto...
É demorado para se acostumar à prosa de Nei Lopes. Ele escreve de maneira cadenciada e isso causa certo estranhamento no começo, nas primeiras páginas. Por isso, pode ser um fator que acabe distanciando o leitor da história em si. Alguns podem desistir, caso resolvam não persistir em livros. Mas o fato é que este é um pormenor, que não acaba influenciando no aspecto geral da obra. É deliciosa e vale a leitura.