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Amilton Pinheiro *

Festival de Brasília e o horror social de 'A Sombra do Pai'


A 51ª edição do Festival de Brasília reservou uma bela surpresa para noite de exibição da mostra competitiva de longas e curtas. Os curtas Plano Controle, de Juliana Antunes, e a animação Guaxuma, de Nara Normande, divertiram e emocionaram o público. Enquanto isso, A Sombra do Pai, longa de Gabriela Amaral Almeida, deixou todo mundo grudado na cadeira, tenso, com a história do difícil relacionamento entre uma menina de nove anos e seu pai, um operário da construção civil, sufocado pela morte da mãe da criança, e a dificuldade material da família.

A diretora Gabriela Amaral Almeida tem uma sólida carreira profissional, com quatro curtas no currículo de destaque, entre direção solo e codireção, com destaque para A Mão Que Afaga (2012) e Estátua (2014), premiados no Festival de Brasília. Seu outro longa, Animal Cordial, passou recentemente no circuito comercial. Formada em Cinema pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com especialização em cinema de horror, Gabriela vem construindo sua carreira, testando as possibilidades e os limites do gênero, que também se apropria do thriller na condução narrativa das histórias.

Mas o que o cinema de gênero de Gabriela quer mostrar? O grande fosso social do País, com suas inúmeras injustiças e imobilidades dos extratos menos favoráveis da população brasileira. Além de dominar os aspectos técnicos, de linguagem e narrativos, o cinema de Gabriela não perde o foco da crítica social. Os temas que são tratados, dentro do gênero do horror e do thriller, estabelecem um vínculo com o cinema social, apontando outros olhares para a violência, família, luto, crise existencial, incomunicabilidade, entre tantos outras temáticas abordadas. É cinema de gente grande, que se alimenta das referências e das possibilidades dos temas que aborda.

Em A Sombra do Pai, uma menina de nove anos, Dalva, excepcionalmente interpretada pela atriz-mirim Nina Medeiros, tenta se comunicar com a mãe morta, por meios de “jogos do além”, para que ela possa ajudá-la a trazer o pai de volta da prostração que ele se encontra, quase sem comunicação com ela e com a irmã do pai. O pai, brilhantemente vivido pelo ator Julio Machado, Jorge, vive entre o trabalho alienante e sem perspectiva numa construção civil, e o retorno sem corpo presente a sua casa – ele está lá, mas os pensamentos estão em outro lugar.

Entre as tentativas de se comunicar com a mãe, a filha mergulha em filmes de terror e nos olhares sem comunicação com o pai. Os dispositivos do gênero horror são usados, como deve ser, através de sugestões e sutilezas. Com direção segura e inventiva, o filme vai sendo orquestrado por esses dispositivos, sem perder as sutilezas de uma história bem narrada. Apuro técnico e de linguagem são usados para potencializar as interpretações excepcionais de Julio Machado e Nina Medeiros e os olhares múltiplos da história que Gabriela quer contar. Um País mergulhado no horror social que cria zumbis, violência e injustiças.

 

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