Dono de uma escrita particular, o brasileiro César Bravo é um dos raros escritores com o dom de dar um arrepio a cada página. Até mesmo quando chego nos agradecimentos de seu mais recente livro, Ultra Carnem, o autor não tarda em fazer uma brincadeira: "Agora deixo vocês com o que eu conheço bem: o medo", escreve Bravo enquanto o livro termina e a solidão atravessa o leitor após uma história horripilante.
Mas o medo causado pela escrita de Bravo é um medo positivo. É aquele que deixa qualquer um fixado, tornando Ultra Carnem uma lembrança recorrente na mente de quem o lê -- assim como se tornou na minha. É uma literatura rara, pouco convencional e que, com a devida atenção, tem tudo para se tornar um marco no horror brasileiro.
Abaixo, melhores trechos da entrevista feita com o autor César Bravo para o Esquina da Cultura, falando sobre os desafios da literatura, sobre as dores do preconceito e, principalmente, sobre a inspiração para causar tanto horror e admiração:
Esquina: Você é um autor que está se destacando muito no mercado editorial. Qual o segredo?
César Bravo: Para dizer a verdade, encaro como um enorme elogio. De onde estou, mergulhado em meus novos textos e no futuro que ainda preciso construir, quase não sinto a diferença. Ainda acordo cedo, enfrento um emprego “convencional” e honro as contas que preciso pagar. O que definitivamente mudou em minha vida foi o carinho e a atenção dos leitores. Se algo me soa como um destaque, algo que eu classifico como uma grata surpresa, é ter atingido tantas pessoas com meu primeiro trabalho publicado em papel. Acredito que o segredo seja algo que outros autores já consagrados mencionaram: trabalho duro. Você precisa se dedicar, abrir mão de boa parte de seu tempo, precisa ter confiança para produzir algo que valha ser lido. O convívio com os leitores é outro ponto fundamental. Um autor precisa saber que cada pessoa que coloca as mãos em seus livros é importante.
Quais as dificuldades em colocar um livro de terror ou policial no mercado editorial?
A maior dificuldade que existe para um autor é ser lido, em todos os gêneros. Felizmente, vivemos
um “boom” de novos autores de Horror, Fantasia e Policiais — os e-books estão aí, para provar que todo mundo têm uma chance. O ponto negativo dessa explosão é que a concorrência aumentou muito. Então, você precisa se esforçar, precisa produzir no underground um material que consiga resistir e se expandir na superfície. As editoras são empresas, visam lucro e novos destaques, uma aposta com uma base de leitores sólida é a garantia que muitas procuram. E algumas delas estão apostando em novos talentos. Claro que cito a DarksideBooks, que somente no ano passado inseriu três autores no cenário editorial nacional. Também tenho conhecimento de outras editoras que estão seguindo o mesmo caminho. Vejo com muito otimismo o momento literário atual.
Você sofre preconceito por ser autor de livros de terror?
E quem não sofre preconceito? Romances açucarados, livros indigestos de não-ficção, poesias;
livros de humor sofrem preconceito! No meu caso, a maior barreira foi no círculo familiar e de meus amigos mais íntimos. Não é muito fácil imaginar seu livro nas mãos de pessoas que não fazem ideia do que você tem dentro da cabeça (risos). E, surpreendentemente, esse é outro detalhe que muda com o tempo. Quando seu livro está em destaque em um estande, as fobias do passado se vão, todos têm orgulho em dizer: “Ei! Eu conheço esse cara!”. Por mais maluco que esse cara pareça...
Você já pensou em se aventurar em outros gêneros que não o terror ou o policial?
Sim, eu me arrisquei algumas vezes. Bem, creio que você encontre terror diluído nas páginas, mas
minha intenção foi propor um texto de ficção científica. Aprecio muito a ideia de alienígenas, também de viagens temporais. Quem sabe um dia? Por enquanto, esses materiais estão em gavetas profundas, amadurecendo junto comigo.
Li 'Ultra Carnem' e gostei muito. De onde veio a inspiração? O que você quer passar com o livro?
A inspiração de um autor de horror é controversa. Boa parte nasce do dia a dia, dos empregos, das pessoas que conheci e de outras que simplesmente imaginei. A disputa entre o bem e o mal sempre me chamou a atenção. Às vezes, algo é tão ruim que não parece simplesmente humano. Então busco criar situações que expliquem, de alguma maneira, a escuridão que às vezes nos cerca. Ultra Carnem provoca um diálogo com pessoas ambiciosas e abandonadas, ovelhas desgarradas à mercê dos lobos. Procurei trazer à tona, nas diferentes partes, o risco de se estar à beira do precipício. Toquei algumas feridas, velhos preconceitos; a indiferença e agressividade da nossa sociedade e de muitas religiões. Tive a preocupação de compor um livro “durão”, como os livros que eu conheci em um passado não tão distante. A literatura de horror precisa ser sincera, quente e perigosa, ou ela não tem razões para existir.