Ao assistirmos Além das Palavras, do diretor Terence Davies, logo nos primeiros minutos temos um gostinho da personalidade forte e desafiadora da famosa poetisa americana Emily Dickinson, cuja vida é biografada no longa.
Interpretada em sua juventude por Emma Bell e, posteriormente, por Cynthia Nixon, a protagonista demonstra seu descontentamento e questiona por vezes, em suas palavras e atos, as imposições religiosas e o papel muitas vezes figurativo da mulher perante a sociedade – ambos aceitos aparentemente de bom grado por todos a sua volta.
Engana-se, entretanto, quem pensa estar diante de uma completa rebelde. Afinal, apesar de Emily se posicionar a respeito de temas “inquestionáveis”, ainda estamos falando de uma época – século XIX – extremamente patriarcal. Portanto, se de um lado temos uma mulher decidida, que faz frente a questões que ainda hoje geram discussão, do outro, contraditoriamente, encontramos também uma figura que chega a pedir permissão ao pai para escrever durante a noite, por exemplo.
Falando, aliás, das inúmeras madrugadas que Emily passou em claro, quase como parte de seu processo criativo, é interessante citar que Dickinson deu origem a mais de 1.700 poemas, dos quais, infelizmente, poucos foram publicados em vida – mas que consagraram seu nome após sua morte.
Quanto às atuações, o ponto alto de Além das Palavras fica somente a cargo do desempenho de Nixon. A eterna Miranda, de Sex and the City, aparece bastante expressiva e convincente no papel da poetisa, sendo, talvez, a única a merecer real destaque se considerarmos as performances medianas do restante do elenco.
No entanto, o filme desaponta não apenas nas interpretações, mas deixa a desejar também no ritmo morno e nas poucas variações de cenários – o que chega a incomodar a certa altura do filme. A culpa, porém, não pode ser jogada inteiramente no colo do diretor, afinal, estamos falando aqui de uma biografia e não de um candidato a blockbuster. Ou seja, devemos esperar que o filme se atenha mesmo aos fatos, sem ficar inventando ou floreando demais com a intenção única de causar interesse e agradar a quem assiste.
O desafio, no caso, era justamente tornar a vida de Emily – quando não estava escrevendo – também atrativa. Considerando sua vida praticamente inteira na casa dos pais, em Massachusetts, o risco de retratar apenas uma mulher apegada à família, reclusa e de temperamento ácido – cada vez mais perceptível com o passar do tempo – era uma armadilha quase inevitável.
Pesando Dickinson como um todo, podemos dizer que a reconstrução de sua vida, sem deixar que seu isolamento gradual ofuscasse a imagem da poetisa talentosa e do refúgio e conforto que só encontrou nas palavras, foi bem estruturada.
A produção britânico-búlgara estreia no Brasil dia 27 de abril.