Listas de melhores do ano sempre são injustas. É muito difícil que o crítico veja tudo que foi lançado e produzido em 365 dias. Só nos cinemas são cerca de 450 lançamentos por ano -- o número final é maior, com filmes no DVD ou streaming. As séries também contam com números crescentes, visto a intensa produção da Netflix. Alguma coisa vai ficar de fora das listas. E o meu primeiro erro está aqui: a ausência da série La Casa de Papel na lista de melhores do ano.
Produção da Netflix em parceria com o canal espanhol Antena 3, a série La Casa de Papel tem uma premissa básica: um engenhoso assalto à casa da moeda espanhola. Para quem vê só essa ideia inicial, parece que a produção não vai longe. No Brasil, já tivemos o fraco Assalto ao Banco Central. Já no restante do mundo, fomos premiados com produções como o clássico Bonnie & Clyde até o bizarro A Gangue dos Dobermans, que mostra cães da raça assaltando bancos.
Na produção espanhola, porém, clichês são revertidos a todo instante e vemos desenrolar uma trama com personagens complexos e com homenagens ao cinema de ação -- indo de Tarantino à Nikita, de Luc Besson. Assim, acompanhamos assaltantes com codinomes de cidades -- lembra Cães de Aluguel? -- que tentam escapar com perfeição, fazendo com que a polícia se torne um cão correndo atrás do próprio rabo. Regendo tudo, temos o misterioso Professor (Álvaro Morte).
Divididos em treze episódios pela Netflix, La Casa de Papel consegue manter um ritmo de tirar o fôlego durante todo o tempo. Usando uma estrutura novelesca clássica (complicações que se resolvem no começo do próximo episódio), a série prende o espectador de maneira fatal. Difícil escapar da história depois de passar do primeiro episódio, já que o criador Álex Pina não perde tempo para começar o tal assalto. Para explicar as coisas, então, recorre ao flashback e narração.
Esses recursos, que dificilmente são agradáveis quando usados em demasia, se ajeitam na estrutura de La Casa de Papel. A maioria das narrações não são vazias e o flashbacks faz o mínimo necessário de clarear a mente do espectador e fazer com que não pensem que os assaltantes são versões espanholas do MacGyver. Claro, há alguns exageros, como uma ou outra solução fácil demais e algumas coincidências que são perfeitas demais para serem reais.
Mas esses pequenos erros não atrapalham em nada. Primeiro por conta das atuações sem erros de grande parte do elenco. Personagens como Berlin (Pedro Alonso, excepcional), Rio (Miguel Herrán), Tóquio (Úrsula Corberó), Denver (Jaime Lorente) e Arturo (Enrique Arce) ganham camadas sobre camadas por conta da atuação precisa. Nem precisa de flashbacks para mostrar o desenvolvimento emocional de cada um. Os olhares e os gestos dos atores já deixam isso claro.
Além disso, o inteligente roteiro mostra como os espanhóis conseguem criar suspense e dar boas reviravoltas para a trama -- assim como o cineasta Oriol Paulo, de Um Contratempo. É um grande momento atrás do outro. Alguns episódios chegam a ter três pontos altos em seu roteiro ao mesmo tempo, sem poluir a história e sem deixar o espectador perdido. É um artifício arriscado, mas que surte um efeito louvável na produção. Como já disse, impossível desgrudar os olhos.
E assim se desenrolam os treze episódios, numa mistura de reviravoltas; desenvolvimento impecável de personagens; tom “tarantinesco”, apesar da pouca violência; e atuações que faz amar e odiar os personagens em iguais medidas. Sem dúvidas, uma das melhores e mais interessantes produções de 2017. Agora, é esperar que a Netflix libere os seis outros episódios que faltam para completar a primeira temporada. A ansiedade pela conclusão só aumenta.
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