Logo nas primeiras cenas do filme Faces de uma mulher, acompanhamos rapidamente a rotina da professora Karine (Adèle Haenel). Com uma vida tranquila, ela tenta resolver problemas de alguns alunos e, também, busca engravidar a partir de inseminação artificial. No entanto, sua vida pacata é interrompida com a chegada turbulenta de Tara (Gemma Arterton), uma mulher intensa e muito misteriosa que acaba sair da prisão e exige uma quantia absurda em dinheiro, sem explicações ao espectador. A partir daí, o longa-metragem entra num espiral de acontecimentos e Karine é presa, sem ninguém entender o porquê.
Neste momento, a inventividade do diretor Arnaud des Pallières (que tinha comandado o razoável Michael Kohlhaas) mostra toda a sua força e originalidade: para explicar os acontecimentos atuais envolvendo Karine, Pallières começa a fazer um ousado flash back. Em um estilo narrativo como do cultuado Irreversível e do popular Amnésia, o longa-metragem francês começa a contar toda a vida de Karine de trás para a frente, numa tentativa de fazer com o espectador entenda o que está acontecendo na tela e o que deverá acontecer a seguir, nos desdobramentos da história de Karine após ser presa.
Neste ponto, o filme entrega toda a sua força narrativa nas mãos das atrizes Adèle Exarchopoulos (Azul é a cor mais quente), na vida adulta; Solène Rigot, no começo de sua adolescência e com as suas primeiras descobertas sexuais; e a pequena Vega Cuzytek, na infância e prestes a passar por um forte trauma. Também vale ressaltar a força interpretativa da britânica (mas cada vez mais e mais francesa) Gemma Arterton, que injeta emoção na trama.
E apesar das sucessivas trocas entre as gerações, e que geralmente apresentam problemas e um complexo problema de continuidade, o filme mantém a sua coerência e dá, para todas as atrizes e épocas da vida, um papel a ser desempenhado na constituição psicológica de Karine. Com os seus traumas, dores e desilusões, elas colocam blocos e cimento na construção psicológica final de sua protagonista, vista nos primeiros minutos de projeção. Assim, a escolha das atrizes para cada um dos papéis mostra não ser arbitrária e desempenha, no final, aspectos importantes para entender a personagem como um todo.
A originalidade da trama -- feita de trás para frente, como já dito -- não é um toque narrativo sem motivos. Conhecendo a história desta maneira, o espectador se despe de um ou outro preconceito, fazendo com que a trama seja compreendida de um jeito cru, direto e sem rodeios. Afinal, como é defendido por Rousseau, o ser humano é fruto do ambiente que o cerca. A pessoa nasce boa, mas os acontecimentos acabam corrompendo e mudando suas opiniões e a sua postura.Além disso, se fosse contada do jeito convencional, a história não teria grandes atrativos e o filme seria mais um em meio a milhares que são feitos e, talvez, nem merecesse atenção.
Querendo mostrar isso, porém, Faces de uma Mulher cai em uma armadilha: se torna repetitivo e um pouco piegas na tentativa de justificar alguns dos atos da protagonista. Vemos várias fugas da personagem na adolescência e um grande número de momentos de Adèle que acabam por ecoar em Azul é a cor mais quente. Com isso, o diretor vai acrescentando pequenas histórias à narrativa original, com erros, defeitos e falhas de Karine. No final, parece que a trama quer convencer o seu espectador de que tudo que acontece tem um motivo -- por mais reprovável que seja a atitude da protagonista.
No entanto, basta selecionar um pouco as informações para que o filme não tenha seu brilho e a sua inventividade ofuscadas. No resultado final, o quarteto de atrizes que interpretam Karine -- e, é claro, Gemma -- trazem força narrativa e deixam a história mais interessante e palatável para o espectador. Enquanto isso, o diretor Arnaud des Pallières mostra seu potencial e indica que deve ser um diretor importante para a nova geração de cineastas franceses que começam a surgir na cena internacional. Vale o ingresso.
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