A cineasta Agnès Varda sempre foi uma mulher à frente de seu tempo, sendo responsável, junto com Godard, pelo surgimento da nouvelle vague -- um dos grandes movimentos cinematográficos franceses do século XX -- e por clássicos como Cléo das 5 às 7 e Os Catadores e Eu. Ela reinventou o cinema enquanto perpetuava uma reinvenção própria e constante. E parte desta reinvenção está em Visage, Villages, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 25.
Neste documentário, assinado em parceria com o artista JR, Varda sai pela França em busca de possíveis intervenções artísticas. Geralmente, em locais esquecidos e quase abandonados. A ideia é tirar fotos de pessoas e colá-las, em tamanhos chamativos, para mostrar que ainda há resistência, há pessoas que querem manter o seu espaço. Tudo isso ainda ganha contornos poéticos com a câmera e a visão da cineasta, que já conta com 89 primaveras.
O filme, então, ganha um ritmo gostoso, cadenciado e pouquíssimo episódico -- ao contrário do que parece ser. As histórias de resistência vão se acumulando e mostrando um outro lado da França que não é visto nos cinemas. A dupla Varda e JR também possuem uma boa química nas telas, apesar da criatividade e da naturalidade da cineasta ofuscarem, a todo o momento, a simpatia rasa de JR. Há leveza nas telas e o resultado fica agradável de assistir.
O grande ponto alto, porém, são as histórias que vão sendo colhidas neste road movie do interior francês -- como Eleanor Coppola tentou fazer recentemente no péssimo Paris pode Esperar. Personagens curiosos e com boas histórias são revelados aos poucos e vários sentimentos são trazidos à tona. A história da idosa que mora sozinha numa vila que está quase abandonada é de encher os olhos. Não há mentira no que é retratado, não edição as reações.
A única coisa um pouco dissonante é o final. Varda tenta visitar uma pessoa que fez parte de sua vida e a reação desta pessoa é surpreendentemente fria e distante. É um final que impacta, mas que não faz muito sentido para tudo que foi mostrado até então -- questionei o tempo todo qual era o motivo da visita, mas não consegui compreender. Fica um final forte e impactante, mas um pouco desgarrado do que foi visto até ali. Faltou uma melhor coesão narrativa.
Ainda assim, Visages, Villages é uma delícia de assistir. Seja a trilha sonora original, o tom de resistência ou a vivacidade de Agnès Varda. Tudo funciona, ainda que o final não tenha a coesão necessária. Um filme de resistência, arte e transformação, que só mostra a força de Varda e do cinema documental francês. Essencial para tempos tão líquidos e de tanta escassez pessoal. Merece a indicação ao Oscar de Melhor Documentário -- e, confesso, já estou na torcida.
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