É difícil definir e detalhar qual a trama de Unicórnio. Assim como a criatura que dá nome ao longa-metragem, a história é cheia de significados e meandros muito subjetivos e que dão o tom geral da produção. Mas, basicamente, o novo filme do talentoso Eduardo Nunes (Sudoeste) é sobre descoberta, amadurecimento e encontro consigo mesmo.
Para isso, o roteiro do próprio Eduardo -- e baseado em contos de Hilda Hilst -- acompanha a trajetória de Maria (Bárbara Luz), uma garota que vive em conflito após a partida do pai (Zé Carlos Machado) e a chegada, em sua casa de campo, de um estranho criador de cabras (Lee Taylor). Como certeza em sua vida, apenas a figura da mãe (Patrícia Pillar).
Tudo em Unicórnio é muito lento, calmo, bucólico e cheio de referências -- principalmente envolvendo romãs, orifícios em árvores e rochas e, claro, a tal da criatura mística de um único chifre. É preciso ter atenção aos detalhes e, principalmente, se valer da interpretação simbólica de algumas das imagens usadas na tela.
Para tudo isso, Eduardo Nunes, novamente, não tem pressa de contar sua história, se valendo de 120 minutos de projeção para mostrar a vida da tal garota. Essa lentidão exagerada acaba por tirar parte do brilho na primeira metade do filme, quando as coisas ainda são etéreas demais, pouco resolvidas. Parece que o filme se arrasta sem nada ter para contar.
No entanto, aos poucos, a produção vai ganhando tração. Parte dessa responsabilidade fica nas costas do elenco. Patrícia Pillar (Onde Nascem os Fortes) tem pouco texto e pouquíssimos diálogos, mas sabe como trabalhar calada e com jogo de expressões. O mesmo vale para Lee Taylor (Paraíso Perdido). É Zé Carlos Machado e Bárbara Luz que se destacam.
Zé Carlos (Elis) apresenta um personagem difícil, que mergulha em meio às metáforas do próprio filme. É complexa sua criação, mas o ator a cumpre muito bem. A estreante de telonas Bárbara Luz, enquanto isso, carrega o resto dos filmes nas costas. Tem ótimas mudanças de expressão, dá força em alguns diálogos mais pobres e mostra a que veio.
A cereja do bolo de Unicórnio, entretanto, é a direção de Eduardo Nunes. Ele confirma o que já tinha mostrado em Sudoeste: poesia carregada na câmera e liberdade para criar e trazer realidades com as quais as pessoas não estão acostumadas. Com uma fotografia espetacular que explode de cores e uma trilha que cria o ambiente de fantasia necessário, Unicórnio vai além das camadas. Tudo bem que Nunes abusa do traveling lateral, mas nada que atrapalhe demais. É tudo muito belo, bem feito e inteligente.
Muitos podem dizer que falta história para Unicórnio. E de fato: a trama que acompanha toda a narrativa visual carece de um pouco de força, de conflito. Mas todo aparato técnico e narrativo usado para compôr o longa-metragem ajudam a apagar esse problema. O final, surpreendente e muito bem feito, também elevam a qualidade da história.
Unicórnio é um filmaço como pouco se vê por aí. Usa o experimentalismo fantástico de As Boas Maneiras e O Animal Cordial, sem deixar uma boa história de lado, como em Arábia. Ainda que um pouco lento demais, é cinema bem feito, inteligente, exigente e poético. Um presente para fãs da sétima arte.
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