São vários os casos de comediantes que conseguiram transpor a barreira do riso e cair no drama e nas lágrimas. Robin Williams, por exemplo, acertou o tom no suspense Insônia e no drama Melhor Pai do Mundo. Assim como Jim Carrey, que criou clássicos com O Show de Truman e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Agora, é a vez da comediante Melissa McCarthy arriscar nessa mudança de tom com o bom drama biográfico Poderia Me Perdoar?, sobre a escritora e jornalista Lee Israel.
Israel, ainda que tenha escrito algumas biografias de peso e sucesso de vendas, não conseguiu fazer seu pé de meia e guardar dinheiro. Em determinado ponto de sua vida, então, ela se vê sem ideias para biografias e sem dinheiro. A saída que ela encontra, então, é a via criminosa. Usando seu poder de escrita, ela passa a falsificar cartas de escritores famosos e vender por grandes montantes de dinheiro. Tudo isso apenas com a ajuda de Jack (Richard E. Grant), um amigo e outro escritor fracassado e sem dinheiro.
Ainda que o longa-metragem não tenha o peso dos filmes citados no início e feitos por outros grandes comediantes, Poderia Me Perdoar? tem um charme muito próprio e Melissa McCarthy, destoando das histriônicas comédias Uma Ladra Sem Limites e As Bem-Armadas, consegue acertar o tom. Não há uma excessiva tristeza ou sofrimento ao redor da criação de personagem de Lee Israel, mas verdade. É uma mulher que já viu o sucesso e que agora, por falta de oportunidades, não consegue mais fazer o que ama.
A diretora Marielle Heller, estreante em longas, mostra habilidade em conduzir uma trama como a de Poderia Me Perdoar?. Afinal, por mais triste que seja a constatação, há um quê de tragicômico na história da protagonista e Heller, delicada, consegue mesclar o absurdo de algumas situações com a tristeza por trás de tudo. É um pouco o que a cinebiografia Trumbo fez recentemente, por exemplo. É uma condução elegante, forte e que mostra um bom futuro para a diretora estreante no cinema de longa-metragem.
Pena, porém, que seja demasiadamente burocrática no meio de contar a história. Há poucos arroubos narrativos. Talvez a cineasta, com um pouco mais de experiência, tenha projetos futuros mais audaciosos e autênticos. Faltou aqui, apesar da elegância.
E apesar do bom resultado de McCarthy e Heller, quem rouba a cena para si é o coadjuvante Richard E. Grant (Logan). Que ator! Ele consegue criar a complexidade do personagem Jack com gestos, olhares, pequenos sinais. Ainda que não seja aprofundado pelo roteiro, é um contraponto a todo o drama envolvendo a personagem de McCarthy e, desse jeito, Grant consegue roubar a cena em dois ou três momentos com tranquilidade. Tem jeito de indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante 2019.
Outra ponto que facilita o passaporte de Poderia Me Perdoar? ao Oscar é o roteiro de Nicole Holofcener (À Procura do Amor) e do estreante Jeff Whitty. Ainda que pouco inspirado narrativamente e sem ousadias, a história é contada de maneira íntegra, sem maniqueísmos, e respeitando todas as nuances que a história real de Lee Israel. Não caiu no politicamente correto que as cinebiografias, nos últimos tempos, passaram a ter como orientação. É um roteiro equilibrado, inspirado e surpreendente. Bom ponto.
Assim, Poderia me Perdoar? se revela como uma cinebiografia divertida, emocionante e trágica. Além de surpreendente, já que chama a atenção ser uma história tão fílmica e mesmo assim, sem nunca ter ganho uma versão para chamar de si nos cinemas -- apesar do Brasil ter produzido, recentemente, o documentário Cartas para um Ladrão de Livros, que ressoa levemente na história de Lee Israel. Bom ficar de olho para a temporada de premiação. Pode não chegar no Oscar, mas deve abocanhar algumas indicações no Globo de Ouro e premiações afins. Bom filme, boa surpresa, boa história.
*Filme assistido durante a cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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