No cinema, já foi possível ver pessoas resistindo às mais diversas barbáries por conta de injustiças sociais ou governos tiranos. No Brasil, Kleber Mendonça Filho fez da resistência o seu grito de guerra em filmes como Aquarius e Bacurau -- onde se resiste, por exemplo, por meio da música, da gastronomia, do lugar de fala. O coreano Bong Joon Ho também tem mostrado formas de resistência, seja pelo humor ou violência.
Agora, a cineasta estreante Mounia Meddour faz com que sua protagonista resista ao terrorismo na Argélia por meio da moda. Em Papicha, Nedjma (Lyna Khoudri) é uma garota feminista, que reafirma suas posições o tempo todo e deixa suas ideias transbordarem. No entanto, as coisas começam a complicar quando terroristas passam a tomar conta do País e a adolescente precisa encontrar meios de se reafirmar.
E o meio de fazer isso é pela moda. Fã de costura e design, a garota busca meios de empoderar colegas de escola ao mesmo tempo que bate de frente com os criminoso.
E assim, por meio da resistência de seu discurso com o sofrimento constante que a cerca, Nedjma vai tocando sua vida. Meddour surpreende com um drama intenso, cheio de reviravoltas de tirar o fôlego e uma simbologia desconcertante. Afinal, mais do que contar a história de uma garota no meio de uma Argélia tomada por terroristas, a diretora e roteirista fala sobre histórias humanas e um lado não visto dos muçulmanos.
Muito se pensa, por exemplo, que os extremistas são comuns em países muçulmanos. Do alto do preconceito e de opiniões pré-formadas, espectadores do ocidente pensam que as pessoas que resistem, e reafirmam suas posições como seres independentes e pensantes, são minoria. Mas o que se vê em Papicha são pessoas comuns, sem extremismos, que levam suas vidas e sofrem com pessoas não-pensantes ao redor.
O machismo, o patriarcado e a hierarquia das pessoas por conta de gênero são assuntos que permeiam todo o longa-metragem sem nunca ter essas palavras citadas -- nem mesmo conceitos são explanados. Até mesmo a palavra "terrorismo" não é citada, apesar de não haver duvidas do que acontece ali. São coisas inteligentes de roteiro, que não recai em didatismo ou obviedades. A trama e o contexto se revelam aos poucos.
No entanto, algumas coisas se revelam lentamente demais. Por mais que Lyna Khoudri (Luna) seja um acontecimento em termos interpretativos, muito de sua história é prejudicada por conta do roteiro. Muitas coisas demoram a clarear e algumas outras não são explicadas mesmo depois dos 106 minutos de projeção. Não é preciso didatismo nem nada do tipo. Apenas um roteiro que deixe as coisas mais claras.
Por fim, vale ressaltar que, mesmo com esses erros, Papicha é um filme poderoso. A mensagem por trás, as cenas de violência inesperadas -- como no brilhante filme Amanda, lançado recentemente no Brasil. São coisas que ajudam a compôr uma narrativa memorável e que mostra a realidade de um País sem ser piegas. É incômodo, é forte, é potente. Quase uma pancada. E que fica na cabeça por um longo, longo tempo.
(*) Filme visto durante a cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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