Hafis Bertschinger é a personificação da arte bruta. Suíço-libanês, ele adora produzir obras desafiadoras e que o tiram do lugar, é impulsivo, enfrenta o que vê pela frente. Não para quieto sem um desafio e não tem medo de experimentar novas culturas. Já Mara, sua esposa e patrona, é retraída, quieta, tímida. Não gosta de muito barulho, prefere os livros aos pincéis, e acaba se tornando o porto-seguro de Hafis, que mesmo intenso, precisa de um colo.
Esse interessante casal é tema do longa-documentário Hafis & Mara, que abre os trabalhos da 7ª edição do Panorama do Cinema Suíço Contemporâneo em São Paulo, entre os dias 09 e 21 de maio. Dirigido pelo cineasta sírio Mano Khalil, dos bons As Andorinhas e The Beekeeper, o filme transpira cinema, arte e melancolia. Com uma narrativa disfuncional, que não fica no beabá das entrevistas talking heads, Hafis & Mara consegue emocionar e fazer refletir em iguais medidas.
Essas, infelizmente, são qualidades pouco recorrentes do cinema documental recente -- no É Tudo Verdade 2018, por exemplo, a maioria dos filmes não conseguiu sair do lugar-comum em termos de narrativa. Por isso, Hafis & Mara é ainda mais interessante, já que ele experimenta e, mesmo assim, acerta. Khalil, novamente, mantém uma câmera interessada e que gera experimentações até mesmo para a audiência, que não fica impassível ao que se passa na tela.
Além disso, a temática apresenta uma volatilidade estonteante. Fala da rotina do casal, sim, mas também vai além. Fala da arte, fala sobre velhice e, também, sobre o comportamento e a importância da arte com o decorrer do tempo. Khalil não tem medo, também, de tocar em assuntos espinhosos como a morte -- que se aproxima cada vez mais do casal octogenário -- e do que será as pinturas e desenhos de Hafis com o passar do tempo. Vai ter alguma validade?
A câmera quieta e observadora de Khalil, porém, também permite que o documentário vá além. Ainda que Hafis, muitas vezes, seja tratado como uma espécie de protagonista, é Mara que detém os momentos mais emocionantes da produção. Ela se abre como, claramente, não o faz cotidianamente. E quando isso acontece, a história contada pelo cineasta ganha outros contornos, outras reflexões, outras importâncias. Bonito ver momentos assim no cinema.
Assim, ainda que o longa-documentário peque com um ritmo dolorosamente lento e algumas cenas aparentemente desconexas, é uma verdadeira pérola da sétima arte em um mar de morosidade. É delicado, intenso, reflexivo, real, importante, artístico. É o que o cinema precisa ser e que, por vezes, o é -- para deleite dos que amam essa forma de arte. Sem dúvidas, o Panorama do Cinema Suíço Contemporâneo começou com o pé-direito. Vale o ingresso.
* Filme assistido durante a cobertura da 7ª edição do Panorama do Cinema Suíço Contemporâneo
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