O cineasta Cristiano Burlan tem uma carreira interessantíssima. O que mais chama a atenção, porém, é a chamada Trilogia do Luto. Nela, Burlan mergulha em momentos específicos, e trágicos, de sua vida. Em Construção, lançado em 2007, faz uma homenagem ao seu pai, pedreiro, morto após uma queda. No excelente Mataram Meu Irmão, de 2013, ele mergulha na memória afetiva de seu irmão, assassinado por algum traficante. E agora ele lança nesta quinta-feira, 14, o terceiro e último filme da trilogia: Elegia de um Crime, que aprofunda o assassinato de sua mãe pelo namorado.
Gravado de maneira participativa, Burlan volta às suas origens, em Minas Gerais, e conversa com parentes, amigos e vizinhos de infância para entender melhor o que se passou com Isabel Burlan da Silva, morta enforcada pelo namorado que não aceitava uma possível separação. A partir daí, são traçadas três linhas narrativas: a investigação, por si só, de detalhes do crime; o paradeiro do assassino, foragido até hoje da polícia; e algo um pouco mais subentendido, mas presente em todo longa-metragem, sobre o grave problema social e criminal do feminicídio, que cresceu 34% entre 2016 e 2018.
Não é fácil assistir Elegia de um Crime. Essas três linhas narrativas que permeiam todo o documentário são dolorosas para Burlan, que repete a fórmula de Mataram meu Irmão e se coloca nas frentes da câmera a todo momento. O sofrimento dele é palpável, sentido pela audiência de maneira latente. Difícil não sofrer junto, não sentir a sua dor e a dor de seus irmãos, familiares, amigos. A crueldade da morte de Isabel, e a impunidade do assassino, também amplificam o sentimento passado enquanto toda a história é contada. É injusto, doloroso, sofrível, triste. Um filme muito emocional.
A questão do feminicídio não é tratada de maneira direta em momento algum, e a própria palavra fica apenas entalada na garganta na maior parte do tempo. É uma boa escolha de Burlan. Ele opta por não politizar um filme naturalmente político, e extremamente íntimo, fazendo com que ganhe aspectos particulares para cada pessoa que está assistindo. O feminicídio, ali na tela, ganha contornos diversos, sem barreiras, e isso é muito impactante. Mais do que ser uma estatística, Isabel mostra meandros que situações como essa podem tomar. É um relato íntimo e genérico ao mesmo tempo.
Há, porém, algumas decisões técnicas ainda difíceis de compreender. Assim como em Mataram Meu Irmão, Burlan opta por não nomear todos os entrevistados. Eles só aparecem na tela e começam a falar. Fica a cargo do espectador descobrir quem é quem, qual a participação da pessoa naquilo tudo. Causa um tipo de imersão interessante, mas que por vezes se torna cansativo -- só o nome já ajudaria. Burlan também optou por câmeras simples para realizar a gravação, indo de acordo com os outros dois filmes. É uma opção artística interessante, mas que diminui um pouco a experiência na tela. Felizmente, Burlan tem plena consciência dessa deficiência.
Elegia de um Crime é triste Seria melhor se não existisse -- e a mãe de Cristiano estivesse viva ainda hoje. Mas, tendo acontecido a tragédia, o longa-metragem ajuda a trazer reflexão, consciência. É profundamente emocional de assistir. Mas está longe, muito longe, de ser um exercício vouyerista de quem gosta de ver tragédias e coisas do tipo. É algo que vai além de fatos, de documentar uma tragédia. É uma reflexão, um ponto de mergulho na tragédia do feminicídio. Um relato contundente, urgente, real.
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