Lembro de uma vez ter indicado um filme à uma colega e ela no dia seguinte me falar "Nossa, que filme incrível. Nem parecia americano, né?". Já logo entendi: por ser um filme mais introspectivo e lento, parecia estrangeiro.
Nunca tive o hábito de dar atenção aos filmes que concorriam ao Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Sempre ficava chateada quando um filme brasileiro quase entrava para a disputa e depois ficava de fora, mas só. Este era o meu único contato com a categoria. Este ano reservei um tempo para me informar sobre os concorrentes e Loveless mexeu comigo. Um casal que, em meio a um divórcio conturbado, se depara com o filho de 12 anos desaparecido. Por mais simples que a trama seja, consegue habilmente tornar-se um filme de investigação que passa mensagens visuais importantíssimas.
Loveless requer atenção. Alguém pouco interessado pode simplesmente entendê-lo como um filme parado e sem muitas respostas. De fato, o filme não possui nenhuma resposta concreta; mas é a partir daí que obriga o espectador à tentar solucionar o desaparecimento. São poucos diálogos, porém a maneira que o filme foi organizado já fala por si só. Em todo momento, a história diz respeito a uma espécie de ciclo. O filme começa com teclas fortes de um piano, e termina exatamente do mesmo jeito, ainda que se repita em situações diferentes.
Diretor de Leviatã, belíssimo filme russo que concorreu ao Oscar em 2015, Andrey Zvyagintsev consegue dar aqui a mesma importância tanto para elementos discretos, que exigem uma maior sensibilidade, quanto para o próprio panorama geral. E mais do que isso, eles se combinam de maneira esplêndida. Exemplo disso é o próprio tom pessimista durante os 127 minutos de filme. A trilha sonora é pesada e está presente durante cenários frios, cobertos de neve. No rádio e na televisão, tudo o que se pode ouvir são notícias relatando guerras, mortes e a queda brusca de temperatura.
Mais do que isso, o pessimismo é quase que enraizado, dando abertura para uma forte crítica à sociedade russa. Quando Alexey (Matvey Novikov) desaparece, o policial fala com tranquilidade para a mãe, Zhenya (Maryana Spivak), que é comum crianças sumirem e que, caso ela realmente faça questão de uma ajuda eficiente, o melhor é entrar em contato com um grupo voluntário, não com a polícia.
Tão relevante quanto o próprio desaparecimento, é este ciclo que a sociedade segue, o qual fica explícito na forma da direção. Não só o começo e o final são iguais, como as cenas são sempre filmadas em paralelo. É como se a sociedade estivesse condenada à seguir um padrão. Da mesma maneira como Alexey foi um filho indesejado, sua mãe Zhenya também foi. A raiva e desprezo que ela sentia pelo filho não deixava de ser um reflexo do que sua própria mãe sentiu por ela a vida toda. Durante todo o filme, podemos ver Zhenya infeliz e repetindo, até mais do que o necessário, como ela queria ter abortado o filho.
Loveless fala sobre um padrão difícil de ser rompido. O próprio título (Sem Amor) diz respeito à todos os relacionamentos atuais, não apenas do casal protagonista. Zhenya não é correspondida pelo namorado, Anton, quando diz amá-lo. Anton, por sua vez, pergunta à sua filha pelo Skype quando ela retornará para Rússia, no que ela responde "Mas por que eu voltaria?". É um ciclo que vai se repetindo naturalmente. Prova disso é a cena do restaurante, que parece desnecessária, mas só reforça essa teoria: uma mulher, durante um encontro, dá seu número de telefone para outro homem enquanto volta para sua mesa. Esse tipo de padrão está presente em qualquer tipo de relacionamento, seja afetivo, familiar ou até profissional.
A primeira vez que assisti ao longa, não reconheci nem metade de sua genialidade. Enquanto tentava organizar seus elementos para chegar à um suspeito, pude perceber que o filme tem muito mais à oferecer do que aparenta. Com uma trama extremamente simples, sem muitos desdobramentos, Loveless é capaz de fazer uma enorme crítica social, ao mesmo tempo em que fornece pistas para o espectador resolver o mistério de um desaparecimento.
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