Colette (Keira Knightley) é uma romancista francesa da virada dos séculos XIX e XX de grande sucesso. Seus livros vendem milhares de cópias, editoras pagam rios de dinheiro pela publicação das obras e as histórias, apimentadas e sexuais, causam um amplo rebuliço na sociedade europeia. Só que tem um detalhe: por conta do domínio do patriarcado na época, nenhum de seus livros leva seu nome. Todos são assinados por Willy (Dominic West), seu marido preguiçoso e abusador, mas de renome no mercado editorial.
É a partir dessa história verídica que o diretor Wash Westmoreland (Para Sempre Alice) constrói a narrativa de sua nova produção de época, Colette. Um dos filmes que corre por fora para o Oscar de 2019, o longa exala atualidade apesar da história se passar há mais de 100 anos. Afinal, Colette não pode colocar seu nome na capa dos livros por medo do que a sociedade pensaria sobre uma mulher escrevendo histórias como as suas, repletas de contornos sexuais e práticas que não eram aceitas amplamente pelas pessoas.
Westmoreland, ainda que sempre tenha se mantido em produções que se passam nos tempos atuais, se sai muito bem na construção de época. Suportado por figurinos esplêndidos de Andrea Flesch (O Duque de Burgundy) e lindas ambientações ressaltadas pelas lentes do diretor de fotografia Giles Nuttgens (A Qualquer Custo), o diretor sabe construir a história ao redor dessa personagem tão complexa, tão à frente de seu tempo. É uma produção delicada, forte e impactante, como foi em As Sufragistas e Albert Nobbs.
Sobre a comparação com este último filme, há um outro ponto de convergência com Colette: a sexualidade. Ainda que casada com Willy, a escritora se interessa por mulheres -- outro fator, além da profissão artística, que não era aceito por grande parte da sociedade da época. É interessante, então, ver como o roteiro do próprio Westmoreland, de Richard Glatzer (Para Sempre Alice) e de Rebecca Lenkiewicz (Desobediência) se comporta pra trazer nuances da sexualidade e, aos poucos, sendo explorada por interessantes recursos narrativos -- como Lenkiewicz sabe fazer bem.
O elenco, formado quase que exclusivamente por Knightley (Orgulho & Preconceito) e West (Chicago), também segura bem as pontas. Ela, muito acostumada com produções de época, consegue passar a reafirmação de sua personagem frente à sua homossexualidade e, principalmente, nos conflitos que são armados ao redor do marido Willy. Ele, por sua vez, está fantástico como não se sabia que era capaz. Traz força, arrogância e prepotência para o personagem, desprezível desde a primeira cena. Fiona Shaw (Harry Potter e a Pedra Filosofal) e Eleanor Tomlinson (O Ilusionista) estão bem.
Só que o filme não é só maravilhas. O mesmo roteiro que acerta na construção de época, na sua atualidade e nas nuances usadas pra mostrar a sexualidade da personagem erra no desenvolvimento e aprofundamento de situações e personagens. Parece que os personagens não sofrem com as situações postas, que não há envolvimento emocional com nada do que acontece. Parece, em certo ponto, que o diretor Westmoreland está escondendo algo do público, deixando as reações emocionais em segundo plano. Mas não: o filme começa como termina, sem altos e baixos, sem emoção.
Fica um resultado, assim, superficial e pouco aprofundado dos personagens. Parece que o filme acertou em cheio ao falar sobre a situação -- com ambientação, boas interpretações e figurinos impressionantes --, mas não sobre a vida de cada pessoa que se envolveu na história. Em certa medida, parecem robôs lidando com situações complexas. Ao se comparar com Albert Nobbs, grande obra com Glenn Close, Colette perde muito em força e intensidade. Fica a dúvida se Westmoreland não soube lidar com a história ou se preferiu passar essa impressão. De qualquer jeito, um erro.
Assim, Colette se torna um filme forte, atual e impactante, mas superficial e pouco emocionante. Não era preciso transformá-lo num novelão ou num drama lacrimoso. Mas as emoções, numa situação tão extrema como a que é retratada, existem, afloram, despertam. Não é possível que Colette e Willy fossem tão fortes, sem se preocupar ou se emocionar com a vida que corre ao redor. Infelizmente, poderia ser um grande filme sobre personagens, sobre emoções, sobre histórias. Mas, no final, Colette é apenas um filme de época sobre uma situação real. Quase um drama factual. Faltou alma e coração.
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