Difícil algum filme, hoje, ser mais atual do que Camocim. Gravado no interior de Pernambuco, na pequena cidade de Camocim de São Félix, o longa-metragem fala da polarização do Brasil, das brigas políticas, das cidades divididas, do circo eleitoral. É o que o País vive hoje, às vésperas da eleição presidencial, e que tão bem representa a rotina de políticos e eleitores. É uma proeza o quão fidedigno, claro e atual é o filme de Quentin Delaroche, que faz a sua estreia em longas após curtas e médias-metragens.
No entanto, Camocim acerta no tema e erra na história. Enquanto tudo ao redor do longa-metragem é quente, urgente e atual, a história principal é desinteressante, morna e sem arroubos. Filmada no estilo neo-realista, que mistura ficção e documentário, a trama acompanha a luta de Mayara Gomes, de 23 anos, como cabo eleitoral do amigo César Lucena. Quase ninguém acredita no rapaz, mas a protagonista faz seu trabalho com uma paixão ardente e uma animação que contagia e que, às vezes, chega a irritar.
Há, então, duas vertentes no mesmo longa-metragem: a briga eleitoral da cidade, movimentada pela corrida dos candidatos à prefeitura dos partidos "azul" e "vermelho"; e a história de Mayara e Lucena, que tentam emplacar uma vaga na Câmara dos Vereadores de Camocim de São Félix. Tudo muito real e extremamente destoante, já que a primeira é uma disputa acirrada e que, de fato, reflete a polarização do País, enquanto a outra, que recebe destaque de Delaroche, pouquíssimo tem a dizer ao público geral.
Desse jeito, apenas algumas cenas dessa trama principal possuem um significado que empolga. Uma conversa de Mayara com um rapaz que pretende votar nulo, por exemplo, é um momento que vale pelo filme. E a paixão da protagonista pelas causas que defende é outro ponto interessante, mostrando como ainda há objetivos que ficam de fora das brigas eleitorais e dessa extrema polarização que afeta todo o Brasil. Da parte de Lucena, apenas um ou outro diálogo são interessantes. O resto, descartável.
Seria mais interessante, então, se Delaroche tivesse ampliado um pouco mais o cenário geral. Afinal, está tudo ali. A ambientação empolga mais do que a trama principal, que acaba sufocada. Com certeza, havia uma indisponibilidade de contar a história dos tais candidatos à prefeitura e, para o diretor, Mayara deve ter se mostrado uma protagonista mais interessante. Mas havia opções, e nem precisava descartar Lucena e Gomes.
De resto, há bons momentos: uma boa trilha, diálogos extremamente naturais, fotografia que ressalta a divisão política da cidade e o final, por mais que você não se empolgue com a candidatura de Lucena, dá embrulhos no estômago com ansiedade quanto ao resultado. Potencializado, é claro, pela tal polarização do ambiente eleitoral.
Camocim é um filme que possui um tema muito mais interessante que a história. Ainda que a protagonista seja interessante e cheia de camadas, não empolga e mostra pouco de todo o potencial que história possui. Triste perceber que poderia ser um novo clássico do neo-realismo brasileiro, mas que vai acabar no mesmo lugar de A Cidade do Futuro, Corpo Elétrico, Pela Janela e afins. Filmes interessantes, mas muito nichados.
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