Freddie Mercury foi um astro que passou de maneira muito fugaz pelas páginas da História da música internacional. Ainda assim, deixou sua marca, o seu rastro, a sua influência. Afinal, hoje, apesar disso, difícil um livro sobre a história da música contemporânea não dedicar pelo menos um capítulo ao que Mercury fez junto ao Queen. É um trabalho histórico, eterno. "Eu sou uma estrela cadente saltando pelo céu, como um tigre desafiando as leis da gravidade", disse ele na letra de Don't Stop me Now.
Demorou, então, para Hollywood produzir uma história sobre o astro. Não é uma trama só de sucessos, afinal. Mercury sofreu de solidão, assim como teve dificuldades para encontrar uma identidade sexual e, no fim da vida, enfrentou o HIV quando a doença era um sinônimo de morte. Passou altos e baixos com os integrantes da banda, que não conseguiam se adaptar às excentricidades e aos problemas de Mercury, como atrasos e a falta de noção e união familiar. Foi uma trajetória conturbada, de sucessos e dramas.
Bryan Singer (responsável por quatro filmes da franquia dos X-Men) se prontificou a contar essa história, finalmente, nas telas grandes. E o resultado consegue ser quase tão grandioso quanto o que Freddie Mercury representou na música. Com Rami Malek (Mr. Robot) incorporando-o de maneira impressionante, Bohemian Rhapsody acompanha, estritamente, a jornada da banda Queen desde o momento que Freddie se prontifica a ser o novo vocalista até os shows mais emblemáticos da história.
Com um roteiro enxuto e esperto de Anthony McCarten (A Teoria de Tudo), o longa-metragem sabe fazer o que poucos filmes biográficos conseguem: diminuir o peso geral da história e investir na força da direção e da música do Queen. De fato, alguns pontos acabam passando de maneira rasteira e podem incomodar, como o HIV de Mercury e o aprofundamento dos outros integrantes, mas aqui é valorizada uma história conjunta. E o que representa mais um banda do que as suas músicas e as suas performances?
O resultado é algo que Whiplash conseguiu alcançar recentemente, por exemplo. A história é um fio condutor para a música brilhar, tomar forma e emocionar. Bohemian Rhapsody, ainda que tenha conflitos e boas construções de personagem por trás, valoriza a mistura de euforia e paz que um show grandioso causa. Difícil conter as lágrimas em alguns momentos, quando a câmera quase documental de Singer coloca a audiência dentro do palco, ao lado de Mercury. Mais do que a sensação de ser plateia de um grande show, o longa-metragem possibilita que a audiência seja Queen, viva Queen.
Além da boa filmagem de Singer, que foi demitido do projeto nos minutos finais por desavenças com o elenco e o entregou ao também talentoso Dexter Fletcher (Voando Alto), alguns outros aspectos ajudam a criar uma experiência sensorial completa. O primeiro é Malek, já citado, digno de Oscar. Gestual, voz, postura. Tudo encaixa com a mitologia ao redor de Mercury, ainda que a dentadura incomode inicialmente. Lucy Boynton, Ben Hardy, Joseph Mazzello, Mike Myers, Tom Hollander, Gwilym Lee e Aidan Gillen também estão bem, ainda que desapareçam ao lado da grandiosidade de Malek.
Porém, há de se ressaltar, que o suporte dos outros atores é essenciais para o filme fluir bem. Ainda que não haja grandes prejuízos, uma passagem que evidencia apenas a figura de Freddie Mercury em detrimento do resto da banda é a menos empolgante de todo o filme. Ainda bem, porém, que a edição logo trata de reduzi-la pro show continuar.
A recriação do ambiente também vai direto ao ponto, engrandecendo a potência do show e digna de um rock star. Ao contrário de cinebiografias recentes de astros como Jersey Boys: Em Busca da Música e The Beach Boys: Uma História de Sucesso, que valorizam o pequeno e a explosão contida, Bohemian Rhapsody recria momentos inimagináveis, grandiosos, memoráveis. É uma tarefa bem feita e que contribui para a criação de clima -- a sacada de Singer na apresentação da banda no Rock in Rio, deixando Love of My Live ao fundo de um momento emocionante, é acertadíssima.
O que coloca a cereja no bolo são os vinte minutos finais. Singer e McCarten surpreendem e desistem de uma conclusão banal e obedecem a tudo o que foi feito até então: deixam a música e a banda no centro de tudo. Há uma clara quebra de expectativas por quem espera por um encerramento óbvio. O grau de emoção é elevado, as lágrimas correm. É um espetáculo inesperado, que deve encantar os que conhecem pouco a banda e levar à loucura os fãs de carteirinha. Impossível não sentir a emoção de um bom show. Euforia e paz se misturam. É a certeza de que foi visto um filmaço.
Só quem espera por histórias extremamente roteirizadas e pragmáticas podem se decepcionar, como foi o caso de alguns críticos internacionais. Mas é bobagem, acredite.
Bohemian Rhapsody é um filme bem feito, emocionante e que honra a memória de Freddie Mercury e o trabalho marcante do Queen. Alguns podem se decepcionar com a falta de aprofundamento em alguns pontos, mas o melhor é se entregar ao espetáculo orquestrado por Singer na tela. Afinal, quem quiser saber detalhes da vida da banda e do vocalista deve ler um biografia, que tem espaço ilimitado para tal. Aqui é cinema e, como esperado, há a valorização do visual, do som, do impacto sensorial. A história está ali, mas não é a meta. Bohemian Rhapsody, afinal, é uma celebração. E muito bem feita.
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