Recentemente, a crítica fez piadinhas e trocadilhos com o título do filme Extraordinário, dizendo que o longa-metragem com Jacob Tremblay fazia jus ao nome que levava. Mas extraordinário, de verdade, é o documentário A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro que, apesar de não usar o adjetivo no título para se autorreferenciar, merece o elogio por conta de sua originalidade, inventividade narrativa e modo de lidar com seu biografado.
O filme, como o próprio nome diz, leva à tela os principais momentos da vida e carreira do jornalista Tarso de Castro. Boêmio, mulherengo, galanteador, amigo de todos. Um gênio. São vários os adjetivos que cabem ao comunicador, que foi responsável por dar vida à publicações históricas da imprensa brasileira como O Pasquim, Folhetim e Careta. Era um gênio na profissão que exercia e uma verdadeira lenda em sua vida pessoal.
Os diretores Léo Garcia e Zeca Brito, felizmente, conseguiram domar a vastidão de assuntos que Tarso poderia gerar. Falam sobre várias coisas de modo superficial -- como a briga com Millor, a negação em tratar o alcoolismo, a criação de algumas das publicações acima citadas --, mas não tem problema no resultado geral. Afinal, o núcleo da vida de Tarso está lá, e muito bem retratado. Os assuntos que passam batido são só um detalhe
O grande acerto para que a vida de Tarso tomasse forma de um filme foi fazer com que a produção, desde seu primeiro minuto na tela, fosse uma personificação do jornalista. Nada de entrevistas batidas, talking heads, coisas do tipo. A maioria dos entrevistados acontece numa mesa de bar e restaurante ou, de maneira ainda mais divertida, mas menos fluída, filma o entrevistado batendo papo num telefone -- coisa que era uma marca de Tarso.
Essa irreverência, que com certeza afetou quem falava à câmera, cresce ao longo dos 90 minutos de projeção e toma conta da narrativa -- o roteiro é tão bom que nem é sentido, como deve ser nos melhores filmes documentais. As histórias, como numa mesa de bar, vão surgindo e sumindo do documentário com naturalidade. Falam-se algumas coisas, depois mudam de assunto bruscamente, volta-se ao primeiro tema. É natural.
E não há medo de tocar em alguns assuntos espinhosos, como a péssima relação de Tarso com alguns figurões da mídia -- principalmente Roberto Marinho --, a relação que se deteriorou com amigos d'O Pasquim, o atual estado deplorável da imprensa, que só pensa na audiência e vive de releases e outras coisas mais. São temas delicados, mas que surgem à tona sem estardalhaço -- e somem na narrativa da mesma maneira. Nada de artificialidade.
Por fim, há de se aplaudir a ótima seleção de entrevistados. Jaguar, Trajano, Peréio, Paulo Caruso (que tem uma cena incrível ao piano), Caetano Veloso, Sérgio Cabral, Gilda Midani, o filho João Vicente de Castro e por aí vai. São pessoas que, de fato, entendem sobre a figura do biografado e que acrescentam à narrativa -- e que, junto à edição ágil e veloz, traz dinamicidade ao filme. É gostoso de assistir, como tem e deveria de ser. É gratificante.
A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro é um documentário inteligente, inventivo, com boas sacadas visuais e com um ritmo que flui de maneira natural, divertindo e fazendo refletir. É como o recente documentário sobre Adoniran Barbosa deveria ter sido e como os diretores do gênero deveriam se orientar, fazendo um longa que traga a própria linguagem do biografado à tela. E tenho cá minhas impressões de que Tarso gostaria -- e muito -- desse filme. É imperdível.
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